Desumano

de Amílcar Monteiro

 

Assim que o vi, soube logo o que ele era. Mas aquela cara, aquele corpo, aquele cheiro, tudo isso me levou a ignorar o instinto.

Só meses depois, quando o deslumbramento inicial perdeu o poder, é que percebi, com clareza, que ele era pura maldade. Os gritos, os puxões de cabelo, a força com que me agarrava, o olhar trocista que me atirava quando estávamos com outras pessoas, sabendo que ninguém acreditaria…

Era um ser vil e perverso, um servo de Satanás enviado para me destruir; a mim e a quem quer que o aceitasse. Era meu dever garantir que desaparecia para sempre.

Não interessa aquilo que me chamam nem o que me acontecerá. Porque Deus sabe aquilo que fiz, Deus sabe que livrei o mundo de um demónio, mesmo que vocês só me consigam ver como a mulher que afogou o seu bebé numa pia de água benta.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945


SOBRE O AUTOR

Amílcar Monteiro

Introduzido no mundo em Lisboa, no longínquo ano de 1983, Amílcar Monteiro é neuropsicólogo e escritor de ficção e humor. Tem-se entretido a escrever livros, argumentos, sketches e até já fez stand up comedy.

É autor dos livros Não se Brinca com Coisas Sérias (crónicas humorísticas), Um Belo Dia para Morrer e Outras Histórias (contos satíricos) e Toque (novela dramática). Participou também na antologia Desas/sossego, da Editorial Divergência.

Tem por hábito falar pouco sobre si porque odeia discutir assuntos que não domina.


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