A Morte do Autor

De Robson Siebel

 

[entra em cena a arrastar os pés]

 

Tudo bem, não há necessidade de se levantarem. Já me acostumei ao silêncio.

Muito mudou desde a primeira vez que apresentei este espetáculo. Lembro-me como se fosse hoje: o barulho ensurdecedor da plateia, os confetes no ar e as luzes que me cegavam. Agora, só um refletor ainda funciona, mas é o suficiente para desenhar no palco a sombra da minha figura descarnada. E quanto ao silêncio… afinal é culpa vossa. Custou-me muito abdicar dos aplausos, muito mesmo. Mas que remédio tinha, se insistiam em tentar sair da sala? Não é de bom-tom levantar-se a meio de um espetáculo, deviam saber. 

Os berros nunca me fizeram grande impressão, gosto dessa interação com o público; desse aspecto dinâmico da arte, dessa negação veemente ao confrontarmo-nos com o destino inevitável. Mesmo esses, porém, cedo minguaram. Foram substituídos por lamúrias e lágrimas. Confesso que isso me entristeceu. Sempre gostei da raiva, da revolta e da insubordinação. A aceitação, por sua vez, é algo que me deprime profundamente. E, quando as lágrimas cessaram, restaram apenas as flatulências. Que sinfonia desordenada! E fétida! Não têm ideia de como fedem, todos vocês. Agora, talvez menos do que antes, ou de uma maneira mais honesta. Sim, honesta: sentados numa piscina de fezes e de urina. É assim que este espetáculo deveria ser apreciado. O espetáculo… é tudo sobre ele. O espetáculo deve continuar, mas não para sempre… não para sempre. 

Se não estivessem com os ouvidos cheios de moscas, ouvir-me-iam dizer-vos que ainda hoje encarei o meu reflexo no espelho — e que não pude deixar de sorrir. Já consigo contar quase todos os ossos; tocá-los sob esta fina camada de pele transparente. Aproximamo-nos do último ato. O grande final. Quando a cortina se fechar pela última vez, já não precisarei de ouvir o eco das minhas próprias palmas no teatro escuro. O meu magnum opus estará completo. Livre de julgamentos. E todos os que o viram, que tiveram o derradeiro gosto de o experienciar, estarão calados para sempre.

SOBRE O AUTOR

Robson Siebel

Robson Siebel é natural de Capinzal, uma cidade pequena no sul do Brasil. Conseguiu encontrar uma interseção na carreira de programador e na paixão pela escrita criando jogos narrativos como Blackout: The Darkest Night, também publicado como livro-jogo. Em 2022, teve o seu conto, «O Ovo de Jhan-dih-ra», publicado na antologia Espadas e Feitiçarias. Atualmente, reside em Lisboa, onde trabalha com jogos digitais e escreve contos que vagueiam pela ficção especulativa e pelo realismo mágico.