A Noite em Que Perdi a Cabeça

De Carlos Filipe Matos

 

Estava a pensar naquilo há alguns dias, mas a minha hipersensibilidade auditiva atingiu um limite.

Por favor, entendam. O cão ladrava constantemente, tornando-se ensurdecedor para uma pessoa com o meu problema. Parti muita louça. Magoei-me em diversas ocasiões para tentar controlar a raiva.

O dono era um toxicodependente, e os vizinhos, com medo dele, nunca telefonaram para a GNR. Eu contactei-os muitas vezes, mas rapidamente passei a ser alvo de chacota na esquadra. Riam-se de mim ao telefone. 

Mas descansem, o animal não sentiu nada.

Agora, tenho tempo para ler e escrever, embora tenha de usar protetores de ouvido, devido ao barulho das celas adjacentes. Foi uma pena a polícia não acreditar que o homem se tivesse suicidado.

Confesso que me arrependo. Fui longe demais.

Sem antecedentes, e devido ao meu distúrbio, deram-me oito anos. Mas, com bom comportamento, hei-de sair mais cedo. Estou a pensar em adoptar um cão.

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE O AUTOR

Carlos Filipe Matos

Carlos Filipe Rilhó de Sousa Matos nasceu em Faro a 21 de julho de 1981. Depois de Ficheiros Secretos, Twin Peaks, Twilight Zone, Riget e outros, veio o interesse por literatura de terror, com um interesse pouco saudável nos cenários macabros de Clive Barker, Lovecraft, H.R. Giger, Junji Ito e amigos. A forte ligação ao terror literário e cinematográfico do rock e metal juntam os hobbies de escrita, bateria e jogos de computador, claro.