A Voz
de Helena Menezes
Era do altar que vinha a voz. O padre recém-chegado fora avisado pelo anterior, remetido para uma reforma por senilidade, não carecendo o caso de investigações profundas. Estas fazia-as agora o novo padre, analisando paredes, colunas e estátuas, com os ouvidos e pancadas bem escolhidas. Pouco místico e ainda menos crente daquilo que pregava, buscava uma explicação científica.
Um dia, correndo as figuras no altar-mor, percebeu que a voz se intensificava. Esperou pelo fecho da igreja para as poder examinar de perto. Quando encostou o ouvido ao Cristo de madeira pintada, no centro do retábulo de ouro, em vez de uma voz ouviu um estrondo na porta da sacristia. No dia seguinte, encontraram a cabeça do padre trespassada de um ouvido ao outro, espetada no lugar de Cristo. Nunca mais ouviria a voz, era científico. Quanto ao retábulo valiosíssimo, tinha sido deixado, e a voz nunca mais ali foi ouvida.
SOBRE A AUTORA
Helena Menezes
Nasceu em Lisboa em 1981. Licenciou-se, tirou mestrado e trabalhou como bolseira de investigação, na área das Ciências da Paisagem, entre 2007 e 2013, na Universidade de Évora. Paralelamente à escrita científica, foi fazendo incursões na escrita criativa. Arjuna e o Espírito do Tigre (conto infantojuvenil, Ed. Primeiro Capítulo) foi o primeiro livro, publicado no final de 2022. Participou na coletânea 13 Autoras em Vénus (poesia erótica, Ed. Vieira da Silva) lançada em abril de 2023. Iniciou-se na escrita do terror, algo despoletado pela masterclass do Pedro Lucas Martins, visualizada recentemente na formação «Livro em Ação».