Algo Delicioso
de Remi Gonçalves
Menção honrosa da 1.ª edição do Concurso de Microcontos da Fábrica do Terror
A minha avó faz aquela cama todos os dias. Ainda não percebi bem porquê, se ninguém lá dorme.
Vejo-a sempre a trazer um prato e um copo vazio de lá. Eu acho que ela lá vai para comer às escondidas. Deve ser algo delicioso para não querer partilhar com ninguém.
Um dia, escondi-me no quarto para ver qual seria a iguaria.
A minha avó entrou com o prato e com o copo. Fechou cuidadosamente a porta e sentou-se na beira da cama. Pousou as bolachas e o copo de leite e disse em tom baixo:
— Está aqui o teu jantar.
Enquanto isso, afagava os lençóis, como quem penteia um cabelo longo.
— Hoje, ele veio-te espreitar. Quer saber quem és.
Os meus pelos da nuca eriçaram-se, mas mantive-me imóvel atrás do armário.
A avó virou-se vagarosamente para o sítio onde eu estava escondido. Sorriu com ternura.
— Ela também te quer ver.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE O AUTOR
Remi Gonçalves
Remi nasceu em 1995, em Penafiel. 41.19682374371018, -8.30977178430423
Não fosse ele profissional da área de Ciências Geográficas e especialista em Sistemas de Informação Geográfica. Leitor aficionado que bebe das fontes de Stephen King e de Raphael Montes – influências que moldam a sua escrita espartilhada e visual.