As Verdadeiras Sombras de Lázaro

De Pedro Cipriano

Das memórias de Pedro Cipriano, 

editor de As Sombras de Lázaro, de Pedro Lucas Martins

Isto aconteceu em 2019, quando estava a trabalhar no livro do Pedro. O texto original tinha uns desenhos demoníacos feitos por ele. A perspectiva de meter o livro a imprimir numa máquina digital mais cara não me agradou. A editora não nada em dinheiro. Então, comecei a preparar o autor para retirar as imagens. Primeiro, com falinhas mansas; depois, com desculpas técnicas obscuras. Mas o Pedro não se deixou enganar. Bateu o pé e exigiu que as ilustrações entrassem, que não fazia sentido publicar o livro sem elas. A coisa ficou meio tensa. Entretanto, tive uma ideia: pedi os originais com a desculpa de que precisava de os digitalizar com um scanner editorial. Assim que os recebi, foram directos para o lixo.

No dia seguinte, estava o envelope de novo na minha secretária. Pensei que teria sido a senhora da limpeza a recuperá-lo. Encolhi os ombros, pu-lo de parte e prossegui com a edição do livro. Mais tarde, deitá-lo-ia fora. Quando faltava cerca de uma semana, apercebi-me de que ele ainda ali estava, por isso rasguei e amarfanhei as ilustrações. Fui deitá-las novamente ao lixo, para me livrar do problema de vez.

Dois dias antes da data limite para fazer o envio para a gráfica, fiquei a trabalhar até mais tarde. Fechei o ficheiro sem as imagens e enviei-o ao autor. Como seria de esperar, no dia seguinte, tinha um e-mail pouco agradável a perguntar pelas ilustrações. E eu disse-lhe uma meia-verdade: que não sabia onde estavam e que era tarde demais para ele me enviar outras. Resignado, o Pedro acabou por aceitar. Últimas alterações e estávamos prontos para produzir o livro. Apesar de o autor estar melindrado, considero que nem geri mal a situação — e ainda poupei uns bons euros. Também, quem é que ia querer comprar um livro ilustrado? Isto nem sequer é uma história para crianças. Fui dormir contente com o desfecho.

No dia seguinte, ao chegar ao escritório, fiquei petrificado. As imagens estavam na minha secretária, intactas e pela ordem certa. A tremer, liguei para o comercial da gráfica, que ficou bastante satisfeito por alterar o orçamento.

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945