Caçada

de Susana Laires

 

Seguia-a com o cano da espingarda. Movia-se como uma gazela, lenta e elegante, olhando-me ocasionalmente, mergulhando os pés no ribeiro da floresta. A mira da arma emoldurava as formas arredondadas do corpo da minha mulher, que balouçavam suavemente enquanto ela emergia da água, de cabelos lisos ensopados, aloirados pelo sol, com gotas grossas a contornar-lhe os seios. Espiava-a, furtivo como um mirone, numa mistura de amor, ódio e desdém. 

Chamou-me. A inocência de presa era dela, fitando-me como se não visse o predador. A voz que lhe saía do sorriso, por outro lado, já não era tão inocente — era a de uma sereia, bruxa, ninfa, não da mulher com quem vivi por uma década. Nunca quisera tanto matá-la. 

Deu mais um passo em frente. E outro, e outro. Estendeu a mão para me acariciar a face, quase tocando na arma. Riu-se. O riso tornou-se numa gargalhada que culminou num guincho quando premi o gatilho. 

Não sei o que era, mas, o que quer que fosse, estava morta. Tal como a minha esposa estava. Há meses.


SOBRE A AUTORA

Susana Laires

A cabeça nasceu-lhe nas nuvens em 1993, e por lá tem ficado. Pouco há a fazer; é defeito de fabrico. A escrita foi dando voz às ideias que lhe surgiam e calando o silêncio da adolescência. Com o tempo, passou de hobby a profissão. Licenciou-se em Ciências da Comunicação, pós-graduou-se em Comunicação Estratégica e em Jornalismo. Foi jornalista, editora, gestora de redes sociais e é, atualmente, copywriter.

Apaixonada por História, Mitologia Grega, Literatura e Epidemiologia, mas incuravelmente atraída pelo bizarro e sombrio. Talvez por isso se vista quase sempre de negro, apesar de ver a vida com cores garridas.