Cadeado

de Maria d’Anciães

Junto a mim, choro.
Como se nunca de mim tivesses levado uma vida.
Uma vingança presa por ferros, nesses olhos que não sabiam dar sem tirar.

Lembrar-me-ei daquele pequeno universo, como se dele não houvesse mais nada.
Dei-te a minha mão por respeito,
Mas apenas soubeste cravar uma estaca no meu nulo desejo.

Fiquei sozinha naquele quarto.
Aquele quarto com os gritos de todas a quem cravaste a mesma estaca.
Presa dentro de um lençol enquanto limpava algo meu.

Tu, com a dor, ergueste a cabeça, e com um sorriso voltaste a dar-me a mão sem eu pedir.

Eu, com tal nojo, larguei o lençol.
Saí daquele quarto.

Nada tinha acontecido.
Mas, com o teu sorriso, chorei com o coração.

O pedaço da morte ali presente foi o pedaço que pensei deixar.
O vermelho espalhado no lençol lembrar-te-ia desse teu crime.
Por ti, sem punição.
Por mim, sem reação.

Saímos os dois daquele lugar onde a luz que vias me trazia a noite. Escura.

Passaram por nós sessenta luas.

Fomos então para um planeta diferente, onde me tiraram vidas, onde te tiraram um grande nada que devia ter sido tudo.

Recorda-te, um dia, das vidas que conseguiste matar por ganância.
Para que nunca te esqueças daquela que era e é, depois de tantos anos,

menina.

 

SOBRE A AUTORA

Maria d’Anciães

Maria d’Anciães nasceu a 3 de dezembro de 2002, em Vila Real de Trás-os-Montes.
Mudou-se para uma cidade diferente aos 3 anos e, até aos 15, foi sempre Torres Vedras a sua cidade.
Durante a infância e adolescência, sempre teve amor pela arte, qualquer que fosse a sua forma. Bem ou mal feita, tornou-se o caminho até aos seus sonhos.

Aos 16, começou a estudar teatro, a cantar mais do que cantava, a ouvir mais música, a escrever mais do que escrevia. Daí em diante, foi tentando de tudo para seguir o que mais queria, até conseguir.
Hoje, segue a sua própria forma de arte, e escreve o que a faz feliz.