Carne Fraca

de Edgar Ascensão

 

Arrasto-me na montanha pela noite que me engole. Horas a fio, aos tombos, e lentamente a pingar sangue. Viro-me. Mil olhos atravessam a escuridão. Seguem-me ao longe, cheiram o meu rasto. Lobos esfomeados, mas pacientes. Hesitantes, talvez. Não se atrevem a atacar.

Descendo pela floresta densa, rebolo com a massa muscular a ceder às feridas. O braço deixa de doer, o sangue para de correr. A profunda dentada sofrida horas antes no posto fronteiriço irá fazer o que lhe compete.

Carne azul, podre de morte. Nem os lobos me querem. Mas seguem-me, curiosos por verem algo tão desnatural a atravessar o seu território.

A lucidez vai-se aos poucos. Deixo de ver, de sentir, de pensar. Já não sou eu. Sou outra coisa. 


*

 

A alcateia cerca então o vale, rodeia o corpo abatido, não lhe dando opção de fuga. Com o lobo alfa num frente a frente, outro animal se impõe, e duas íris amareladas levantam-se do chão. Ambas as criaturas mostram os dentes.

Agora, de olhar arregalado, é ele que ataca. Corre para o lobo de boca aberta, fecha-a sobre o pescoço dele e rasga-lhe a jugular.

Agora, é ele o alfa.


SOBRE O AUTOR

Edgar Ascensão

Desde sempre ligado às artes visuais, foi pintor, designer e videomaker. Argumentista de umas quantas histórias BD publicadas em diversas fanzines, foi também um dos membros fundadores da Take Cinema Magazine. Durante muito tempo, alimentou o seu blog de cinema Brain-Mixer, onde extravasava toda a sua mente cinéfila. Foi aqui que nasceram os Posters Caseiros, cartazes alternativos de filmes.
Ainda gosta de escrever casualmente, entre o terror e sci-fi. Mas vê o futuro dividido, entalado entre as palavras e as imagens, os contos ou os posters.

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