Chamas

de Cláudia Amaral

 

Começou como uma impressão, um ligeiro aperto; algo que se colou ao meu peito. Mas estava apenas a começar. 

Primeiro, a garganta secou, deixando somente a sensação de que bastava beber um copo de água para que o mal-estar passasse. Depois, a pressão no peito, até então leve, um incómodo, passou a dificultar a respiração. 

Inspira, expira.

Deixei-me cair e abracei os joelhos, mas a sensação não me abandonou. A garganta já estava tão seca que, se tentasse engolir, sentia centenas de grãos de areia a espalharem-se pela boca.

Inspira.

Tentei olhar em volta, com a respiração entrecortada, mas a paisagem estava obstruída, enevoada por tons de cinza e de laranja. Um clarão forte na escuridão ameaçava ocupar todo o campo da visão que me restava.

Expira.

Não sei do que tinha mais medo, do clarão ou da escuridão.

Os gritos e passos apressados tornaram-se ruídos indistintos e distantes, uma realidade que perdeu a forma na minha mente assoberbada. Tinha de me concentrar na respiração, era isso o mais importante. Inspirar e expirar. Devagar, com calma. Para acalmar o coração que preferia saltar do peito a ser obrigado a parar. 

Mas respirar ardia. 

Conseguia sentir o ar a passar pelo corpo, a dificuldade com que este o fazia circular e chegar aos sítios essenciais para sobrevivermos juntos.

Inspira, inspira, expira.

O espaço começou a diminuir. Não só o espaço na minha visão, mas também o do meu peito. Já não conseguia inspirar fundo sem que a força das costelas mo impedisse.

Foi aí que a respiração deixou de ser a única coisa que não conseguia controlar. Depressa os meus olhos deixaram de querer assistir ao que me rodeava. Para quê? Já não via nada a não ser nuvens escuras. Manter os olhos abertos tinha deixado de fazer sentido.

Inspira, expira, inspira.

Sempre achei que ia ter tempo; tempo para guardar as coisas importantes, para me preparar, para fugir, para me proteger. Mas era tarde demais, e eu não sabia. Sinto o fumo a entrar-me pelo nariz quando inspiro; sinto os meus pulmões, já negros, a tentar expulsá-lo. Mas é tarde.

Sinto o fumo a espalhar-se pelo corpo, à medida que os pulmões contraem em esforço. Sinto-o a apoderar-se de mim, sem que mais nada reste para o deter. Nunca pensei que o fumo pudesse ser tão pesado.

Pelo menos, tentei. Lutei. Mesmo sabendo que era inútil, não desisti. Ao contrário do meu corpo. Já não vejo nenhum clarão, só vejo fumo. Está na hora de aceitar aquilo que não posso mudar.

Expira.


SOBRE A AUTORA

Cláudia Amaral

Leitora desde sempre, cedeu à inspiração e foi obrigada a passar para o papel o seu amor pelo imaginário.

Tradutora de profissão, começou a escrever histórias de terror (e não só) enquanto criava peluches em crochet e explorava os traumas que nos perseguem nas sombras.


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