Despedida

De J. P. Félix da Costa

 

A quem encontrar esta carta…

 

Embarcámos ao raiar da madrugada. Dezoito corações determinados. Éramos a última esperança de quem nos viu partir. 

Longos foram os dias que se seguiram. Quantos, já não sei. Há muito que deixámos de os contar.

O mar tem uma forma muito própria de quebrar o espírito de um homem. Não são as tribulações da navegação, nem mesmo as tempestades, que nos sugam as forças até ao tutano, mas o silêncio. O esmagador silêncio. Nos intervalos da faina, quando as conversas se extinguem, resta apenas o vazio de um mar parado. A calmaria corrói os nervos, e é aqui que os demónios que nos povoam a mente tomam conta.

O pequeno Tobias foi o primeiro a quebrar. Atirou-se às águas durante a noite e nadou em direção à morte. Um desperdício de vida. Soubemos, nesse momento, que o oceano nos iria reclamar, um por um, mas não desistimos. Tínhamos zarpado com uma promessa e não queríamos trair quem ficara a aguardar que a cumpríssemos.

A fome é a maior aliada do desespero. O velho Saraiva capitulou quando já nada havia para comer. Encontrámo-lo de madrugada, no porão. Pulsos rasgados. Deitado numa poça de sangue que oscilava com as ondas. Foi o primeiro a pagar o preço que nos comprou mais dias.

Agora, restamos apenas seis, perdidos e à deriva num infindável deserto de água. De dia, queima-nos o sol. De noite, assombram-nos as doze almas que se apagaram.

Consumimos combustível até não termos o suficiente para regressar. Mas como poderíamos regressar? Dia após dia, noite após noite, lançámos as redes ao mar. Foram tantas as vezes que perdemos a conta. E sempre que as recolhemos, vieram vazias.

O mar está tão morto como a terra.


SOBRE O AUTOR

J. P. Félix da Costa

Apaixonado por livros desde o primeiro dia em que um lhe caiu nas mãos, J. P. (João Pedro) Félix da Costa tem nutrido o gosto pela escrita. Pelas circunstâncias da vida, esse caminho foi ficando perdido em fragmentos de textos e histórias que guarda para mais tarde terminar. Mais de quinze anos volvidos sobre a publicação de um livro juvenil, procura agora recuperar o tempo perdido e entregar-se às Letras para fazer o que mais gosta, dar vida aos mundos e histórias que lhe fervilham na imaginação, desde histórias para crianças a histórias do mais profundo horror.

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