Direito de Resposta
de Rita Santos
Opinião Cultoral, in Culto Magazine, 3 Abril, 2025
Por Manuel Rosendo Calvário
Mistério Insondável
No passado sábado, fui visitar a exposição de pintura de Carlos Barrios, uma nova promessa nacional, no MAAT.
Nunca tinha ouvido falar de Carlos Barrios — e por bons motivos. Escapam-me as razões para que vinte telas de 400 x 200 cm — enormes para tão pequeno talento — pudessem dignificar um espaço de celebração do triunfo da arte.
Aturdido. Pasmo. Chocado. Senti-me emboscado num novo programa de «apanhados», mas infelizmente ninguém veio ter comigo para me revelar que estava envolvido numa partida.
«O Homem Descarnado» é uma exposição de óleo sobre tela, «um homem e a sua descida aos infernos, enquanto sucumbe ao demónio da bebida». Estas palavras não são minhas, estão presentes na folha de sala, e foram partilhadas sem ironia, transformando vários clichés num microconto. Sinto-me a figura que grita no quadro de Edvard Munch — já que estamos a falar de clichés, pensei brindar-vos com mais um. Se vos poupo à subtileza habitual é porque não encontro nenhuma na obra de Barrios. Devoto o meu intelecto a quem, pelo menos, o tenta desafiar.
Ele consegue pegar num pincel, reconheço-lhe isto, mas não encontro o tal trabalho, ou o tal talento, que justifique a sua saída da Biblioteca de Monção para o maior palco de arte contemporânea do país.
As obras são um retrato sequencial de I a XX — sim, os quadros estão ordenados, não vá perdermo-nos numa exploração individualista da exibição, e em numeração romana, porventura para disfarçar alguma inadequação do autor — da relação de um homem branco com a bebida. Tenho muitos escrúpulos quanto a ser spoiler de qualquer produto criativo. Barrios, no entanto, fá-lo por nós. Por isso, é com pesar que anuncio que acompanhamos uma sequência sem resquícios de imaginação. Homem pega numa garrafa. Homem pega num copo. O copo está cheio. O copo está vazio. O homem tem uma coloração encarnada. A garrafa está vazia. O homem parte o copo. O homem grita para o mundo. O homem destrói… A cada tela, o pintor faz uma transição de índigo para âmbar. Cores frias para cores quentes. A descida ao Inferno, percebem? Tanto quanto sei, Barrios não tem problemas de cataratas que justifiquem esta opção. Não senhora, é a velha amiga preguiça. Penso que estas descrições simplórias e simplistas expõem o vazio de ideias do pintor. Está ao nível de um concurso de banda-desenhada de alunos que frequentam a escolaridade obrigatória. Está ao nível de um aluno num curso de Belas-Artes, a quem, ao fim de alguns meses, lhe é feito ver que não tem talento para prosseguir os estudos artísticos com aproveitamento. Não está ao nível de um MAAT. Certamente, não está ao nível do grande público. É como aquela expressão da geração Z — cringe.
Não sei se algures no decorrer da sua educação formal, se é que teve alguma, dado que a sua biografia, apesar de palavrosa, é estranhamente despojada, alguém lhe disse que arte é mais do juntar cores, ou formas, ou palavras para descrever cada uma das suas telas em pormenor. Arte é juntar peças e deixá-las fazer amor umas com as outras. Arte é amor. E «O Homem Descarnado» é profundamente calculista. Há uma tentativa deliberada de vender uma história que já vimos antes e que não convence. O homem branco e os seus vícios! O alcoolismo no século XXI, que inovador! Caso o digníssimo senhor que pegou no pincel e o encostou à tela, levando-me a desperdiçar uma hora de ócio criativo, esteja a ler esta coluna, note que usei a figura de linguagem da ironia na minha frase anterior. Como na sua obra não há espaço para racionalizar a experiência visual para a qual pagámos bilhete, não lhe deixarei margem para imaginar que poderei ter encontrado virtude na sua «obra».
Recomendo fortemente evitar esta exposição.
1,5 pinceladas em 10.
*
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Sintra
Cara Culto Magazine,
Noto que a semana passada não houve «Opinião Cultoral» no vosso site. Pensei que o vosso colunista Manuel Rosendo Calvário fosse mais expedito a escrever, tal a rapidez com que vomitou aquela manifestação de repúdio pretensiosa sobre a minha exposição no MAAT. Como não tenho tanto jeito para as palavras — eu é mais pintura —, serei curto e grosso. Na caixa que acompanha esta carta, irão encontrar as partes pelas quais deduzo que o vosso colunista recebia justa retribuição. Os dedos com que escrevia as palavras que ferem mortalmente as carreiras dos artistas; a língua viperina que magoava de forma irremediável os nossos egos; os globos oculares que registaram e se recusaram a interpretar com fidelidade o objectivo d’«O Homem Descarnado»; e o hemisfério esquerdo do cérebro, que terá ditado que seria recomendável, quiçá até boa ideia, publicar a coluna do dia 3 de Abril. Penso que o senhor Manuel Rosendo Calvário diria que este acto representou um bom uso do meu hemisfério direito. Imagine-se só. Apesar de discordar de forma veemente da opinião explicitada na referida coluna, tendo uma, diria mesmo, diametralmente oposta, sinto ser de justiça devolver-vos os órgãos pelos quais pagavam àquele senhor. Ficarei com o resto.
Cumprimenta,
Carlos Barrios
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Rita Santos
Rita Santos nasceu em Lisboa, no ano da passagem do cometa Halley, e jura que um dia ainda vai escrever sobre a data. Quis ser desenhadora, arquiteta, pintora e uma mão-cheia de coisas mais. E se calhar ainda quer ser isso tudo. Uma poliamorosa, portanto. Começou a escrever um livro aos 16 anos, que abandonou porque era uma porcaria. Depois de um bloqueio de uma década, reencontrou-se com a escrita e publicou o seu primeiro conto, «Vermelho Requinte», na Fábrica do Terror. Daí à publicação da sua primeira coleção de contos, 31 Faces de Terror, em nome próprio, foram alguns meses. O cinema, a música, a cultura pop e as oddities fazem parte do seu universo de referências. O romance? Até aos 100 anos, deve dar para escrever um.