Divórcio

De JP Félix da Costa

 

— Temos de conversar.

Estava eu instalado no sofá, com a minha cerveja gelada, a ler o jornal, quando ela se aproximou e me disse estas palavras.

Olhei para ela. Tinha um ar cansado, de quem procura repouso, mas nunca encontra.

Calmamente, fechei o jornal, dobrei-o e pousei-o ao meu lado.

— Falar de quê, mulher? — Apontei para o outro sofá. — Mas senta-te, não fiques aí de pé.

Ela olhou para o sofá, deu dois passos e sentou-se. Ou melhor, deixou-se cair, como se desmoronasse, uma derrocada de uma torre implodida.

— Disto… Nós… — disse ela.

— Isto?

— Isto, sim. 

— «Isto» é o nosso casamento? Os nossos 12 anos de casamento? — perguntei, sabendo já que era essa a resposta.

— Sim, mas são pouco mais de 8, os últimos 4 não têm sido…

— Porque é que dizes isso?

— Porque estou cansada desta vida, do que nos tornámos, do que deixámos de ser… Não sei, de tudo!

Fiquei em silêncio a olhar para ela.

— A minha cabeça parece que explode! — continuou ela. — Eu sei que estou habituada a esta vida, o meu corpo está acomodado a este conforto, a esta casa e a este dia a dia, mas a minha cabeça está cansada, está farta!

Mudei de posição no sofá, rodando o corpo, para ficar de frente para ela.

— Se te conheço bem, já tens uma ideia do que queres fazer, então…

— Não sei — respondeu ela. — Não sei… Parte de mim quer ficar, mas parte de mim quer deixar tudo para trás e seguir em frente.

— Estás a dizer que a nossa vida parou, é isso?

— Foi isso mesmo. Parou há quatro anos e nunca mais avançou. Está estagnada, e eu atrofio nesta estagnação, nesta proximidade distante que se impôs entre nós. Os dias passam e são todos iguais. Às vezes, parecemos estranhos que partilham uma casa e uma cama. Não sei o que é que nos aconteceu.

— Continuas com a tua veia poética. Pelo menos isso não estagnou.

— Para! — Fez um movimento para se levantar, mas voltou a deixar-se cair no sofá. —Percebes o que eu te estou a dizer? O que nós tínhamos acabou.

— E não achas que vale a pena reavaliar a nossa vida, com calma, e recuperar o que perdemos?

Ela ficou em silêncio por segundos.

— Não — acabou por responder. Eu sabia que dificilmente se voltava atrás daquele «não», no tom em que fora dito. — Acho que, na minha cabeça, já tomei a decisão de me separar — seguiu ela. — Preciso de tempo para pensar, preciso de aliviar esta pressão. Não aguento mais, percebes? — Ela olhava para mim. Podia ver-lhe o desespero no rosto. No canto do olho, uma lágrima brotou. — Os meus miolos parece que rebentam! A minha cabeça só vai ficar bem se estiver longe de ti!

Não sou um marido possessivo, daqueles que acham que a mulher lhes pertence. Nem me sinto um macho ferido na sua masculinidade. Só tenho de aceitar a vontade dela. Se é uma separação que quer, uma separação terá. Doi? Sim, doi. Doi muito, confesso, mas, como disse, é a vontade dela. Ela quer a separação, e eu ajudo-a a separar-se. Por muito que me custe, tenho de ser forte. Que homem seria eu se não o fizesse? Que honra teria eu se não respeitasse os desejos da minha mulher? A cabeça já não aguenta estar aqui comigo? Parte quer partir, parte quer ficar? Então, se a cabeça quer ir, vai. Agora o corpo, já que está acomodado a este conforto, a esta casa, a este dia a dia, fica comigo. Se é para separar, eu separo…


SOBRE O AUTOR

JP Félix da Costa

Apaixonado por livros desde o primeiro dia em que um lhe caiu nas mãos, JP (João Pedro) Félix da Costa tem nutrido o gosto pela escrita. Pelas circunstâncias da vida, esse caminho foi ficando perdido em fragmentos de textos e histórias que guarda para mais tarde terminar. Mais de quinze anos volvidos sobre a publicação de um livro juvenil, procura agora recuperar o tempo perdido e entregar-se às Letras para fazer o que mais gosta, dar vida aos mundos e histórias que lhe fervilham na imaginação, desde histórias para crianças a histórias do mais profundo horror.