Encaixotado

de Bárbara R. Rafael

 

Aquela caixa de ferro tornara-se confortável, o corpo moldara-se. As costelas finas encaixavam nas ripas abertas. 

Já não era dor o que sentia. Era dormência, era febre. A pele grudava-se à chapa, derretendo com o calor. Ficava colada ao ferro, estalava impiedosamente. Deixei de olhar para aqueles pedaços de pele como isso. Iam servindo para aplacar a fome. 

A sede era o pior. A garganta ressecava e os lábios rachavam. O ar rasgava-me como lixa. E aquele maldito corvo era a minha única visita. 

Disse-lhe muitas vezes que me arrependia. Talvez ele levasse a mensagem ao pai da menina. Mas o idiota só bicava no ferro e crocitava. Um som horrível, mesquinho.

As minhas mãos abriam chagas, o cheiro era tóxico, o que de mim consumia não tinha mais para onde ir. 

O corvo crocitava, bicava o ferro. 

O corvo crocitava e bicava-me o olho. 

Por fim, silêncio.


SOBRE A AUTORA

Bárbara R. Rafael

Nasceu em 1994, na margem sul do Tejo. Apaixonada por estórias desde pequena, foi pela mãe, professora, que desde cedo foi cativada para a escrita.

Incentivada a participar nos concursos literários da escola, foi ganhando o gosto pelas letras e fez-se sempre acompanhar pelos livros nas diversas fases da vida.

Seguiu turismo na licenciatura e exerceu na área durante alguns anos, até que a pandemia a fez mudar de rumo e abraçar o mundo das empresas tech.

Hoje em dia, encontra-se em processo de escrita para aquele que espera ser o seu primeiro livro, publicado no género do fantástico.