Leila
de Leonor Hungria
O meu olhar escorrega para os seus seios, sem que consiga evitá-lo. Dentro das calças, o meu pénis lateja. Ergo os olhos para o rosto da Leila, sentada ao meu lado no carro. Ela sorri-me. Estava longe de imaginar que a selecção da Escort fosse tão bonita. Nada como as mulheres com quem saio de vez em quando, para saciar a fome, e que nem estão no mesmo campeonato. O que paguei pelo serviço foi mais do que justo.
Tinha-me decidido por uma empresa de acompanhantes para este jantar. Nada mostra poder e sucesso como uma mulher bonita ao nosso lado. Precisava de impressionar. E o director e os clientes tinham ficado, de facto, impressionados — diria mesmo seduzidos — pela beleza e postura da Leila.
Ela sabia bem o seu lugar. Em nenhum passo me retirou o protagonismo, contribuindo para passar a imagem de comercial bem-sucedido. Nunca se esqueceu de que estava ali para cumprir uma função.
Quando chamou o Uber, aparentou ficar surpreendida pela minha sugestão de passarmos a noite juntos. Mas aceitou, claro.
Ela deseja-me. Já acabou o serviço. Se concordou em passar a noite comigo, é porque quer. É porque me quer. Um fremido de antecipação percorre-me o corpo.
Entramos no apartamento. Cubro os seus lábios com os meus. Ela entreabre a boca, submetendo-a à minha língua. Vou-lhe arrancando a roupa enquanto avanço pelo corredor. Quase sem dar conta, encontramo-nos no quarto, na cama, uma amálgama de corpos e fluidos, contorcendo-se ritmadamente, embalados no acto carnal e primevo. Calo o gemido. Ejaculo. Deixo o meu corpo cair sobre o dela, dormente, mas não saciado. Há mais do que luxúria a apaziguar em mim. Soergo-me e lanço-lhe as mãos ao pescoço. Os seus olhos arredondam-se em espanto. Aperto. Ela sorri. Aperto com mais força. Ela não pára de sorrir.
Com uma reviravolta, põe-se em cima de mim. Os seus lábios cheios e quentes apossam-se da minha boca, que é vigorosamente invadida pela sua língua. Sentada nos meus quadris, sorri-me de novo, com lascívia. Tento forçá-la a sair de cima de mim, sem resultado. Ela agarra-me pelos braços e aperta-me entre as pernas, com uma força inatural. Sinto-me subjugado, debato-me. Ela usa o corpo para me dominar. Sou esmagado num torno de músculo e carne, incapaz de me mexer.
Olho para o rosto dela. Tenho medo, uma emoção que me era desconhecida. Olhos felinos incidem sobre mim com apetite. Vejo-a a abrir a boca. Do negro da cavidade bucal, emergem dentes serrilhados. Com horror, observo a boca que continua a abrir-se, quase até à nuca. Aos repelões, logo atrás dos dentes, surge um outro crânio, vagamente humano, coberto de pele rugosa e numa saliva espessa. Como se rasgasse um fato-corpo, segue-se uma figura esquálida, negra como a noite, da qual sobressai apenas o esbranquiçado da dentadura. De súbito, dobra-se sobre mim. Não consigo gritar. A sua boca cobre a minha e sinto o sangue correr pelo pescoço. Vêm-me à mente as palavras do meu pai: «As mulheres só servem para comer».
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Leonor Hungria
Leonor Hungria nasceu em Lisboa, no dia 6 de novembro de 1977, arruinando assim os planos da sua mãe de ver o último episódio da telenovela Gabriela. Foi fonte de mais alguns aborrecimentos durante a infância: era habitual os pais encontrarem-na a desenhar nas paredes da casa, especialmente debaixo do lavatório, onde os gatafunhos passariam despercebidos. Ou assim ela o pensava.
A sua paixão pelo desenho, pelos livros e pela escrita cresceu na adolescência, o que fez dela uma «croma» sem remédio.
O seu corpus de trabalho abrange os géneros neovitoriano, gótico e horror, sempre com algum humor. Negro, claro.