Luzes Mortiças
de Sónia Pedroso
O fim de tarde está fresco, e o Sol começa a pôr-se. Sai do barracão e, com as mãos encardidas, puxa as calças sobre a barriga proeminente de cerveja. Passa a língua pelos dentes e dá um estalo, apertando os lábios. Vai à carrinha e tira um maço de tabaco. Inspira ávido a nicotina.
De pé, na porta, olha para o corpo juvenil estendido no chão. Estremece quando se lembra da lâmina a cortar e do sangue a gorgolejar na carótida. Vermelho e quente, sai em golfadas enquanto os olhos se tornam mortiços. Dá-lhe gozo vê-los a perder o brilho, a vida a escorrer com o seu controlo.
Acabando o cigarro, enrola o corpo num cobertor e carrega-o na carrinha. Ainda tem luz suficiente para a enterrar agora na mata. Depois, limpará tudo com lixivia. Ainda faltam levar mais cinco corpos.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Sónia Pedroso
Sónia Pedroso nasceu em setembro de 1976 e vive com os dois filhos adolescentes. Saloia da Malveira, fez a escolaridade obrigatória no concelho de Mafra. Depois da não entrada na Faculdade de Letras de Lisboa, tirou um curso profissional e foi trabalhar. Atualmente, trabalha como técnica de contabilidade numa empresa de transportes.
Adepta de atividade física, pratica strong e muay thai para sanidade mental.
Leitora compulsiva desde nova, começou a escrever incentivada por um amigo e, desde então, não parou. Para melhorar esta arte, tem feito workshops, formações e clubes de leitura, porque não é de desistir facilmente.