Membro Fantasma

de Nuno Gonçalves

Menção honrosa da 1.ª edição do Concurso de Microcontos da Fábrica do Terror

 

A dor após a amputação era esperada. A sua intensidade não. As unhas eram-me arrancadas, uma a uma, e novamente encaixadas. Unhas que já nem existiam, incineradas com o resto do braço.

Se sentia dor, pensei um dia enquanto esperava no talho, talvez ainda sobrassem outras sensações. Levantei o braço que já não existia e afaguei o cabelo da moça à minha frente, com a ponta dos dedos ausentes. Era liso e macio, talvez um pouco oleoso.

Ela voltou-se e corou ao ver a minha manga vazia.

Fui percebendo que conseguia tocar para lá de barreiras físicas. Palpava o interior de caixas, atravessava roupas. Nem os ossos me podiam parar. Fiz cócegas a pulmões, senti corações a palpitar. Mas apenas com uma mão.

A outra aqui está, inútil, cheia de carne, ossos e tendões.

Do que poderia ser capaz se tivesse duas mãos?

Em breve, descobrirei.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Nuno Gonçalves

Nuno Gonçalves devora livros há 30 anos. O prazer da leitura fez crescer a vontade de um dia ver as suas próprias palavras no papel, encadernadas, à espera de um leitor. O caminho escolhido foi outro, e a Medicina atraiu-o mais do que as Letras. Manteve a ligação à literatura, retomando os hábitos de leitura e dinamizando um blogue de crítica literária durante alguns anos. Depois de iniciar uma nova caminhada na escrita de ficção, venceu o prémio António de Macedo em 2022 e foi o finalista português do concurso de microcontos da EACWP em duas ocasiões (2022 e 2023).

Gostas de ler? Aqui, encontras os melhores contos de terror! 

Privacy Preference Center