Ninho Gordo
de Cláudia Passarinho
Maximiano acumulava fotografias, loiças, sacos de papel, recortes de horóscopo. Reféns do apego. Odiava limpeza, e os montes traziam-lhe memórias felizes. Procurava amor no acumulado e via carinho na miscelânea de têxteis que cobriam o chão. Metade dele sabia que nunca teria ninguém a quem deixar o amor que juntou. O vento não quis que lhe faltasse nada e devolveu-lhe um horóscopo passado: «O processo de amar é longo e sinuoso, tenha atitudes firmes».
Apreciava o crepúsculo, era a altura certa para se voltar a apaixonar. Saía de casa e percorria os caixotes do lixo à procura de engordar o ninho. Pasmou-se com um saco preto no primeiro que abordou. Mesmo sem o abrir, soube-o meio cheio de vida. Espreitou pela boca do plástico e fez uma grande festa. Alisou as sobrancelhas, espantou a dúvida. Tirou o pé da poça vermelha. Tinha encontrado a metade que lhe faltava.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Cláudia Passarinho
Cláudia Passarinho nasce no ano de 1980, em Lisboa. Ligou-se à Psicologia desde muito cedo. É casada e mãe de dois filhos. Da sua família, sacia o amor, a união e a força para os seus projetos. É nas páginas dos livros que encontra refúgio e será através das suas palavras que procurará deixar um legado. Conta com a participação, enquanto contista e poeta, em variadíssimas coletâneas e antologias publicadas. Conquistou o 2.º prémio no Concurso Literário António Mendes Moreira, uma menção honrosa no primeiro Concurso Literário da Editora Visgarolho, e viu a sua candidatura selecionada para o Programa de Residências Museu da Luz: Arte e Investigação. É cofundadora do podcast «Livros a três», dinamizadora do projeto «À luz das letras», curadora do Clube de Leitura «Inspiração à Ação» e biblioterapeuta. Desenvolve um papel ativo em projetos de formação de escrita criativa, clubes de leitura e na divulgação da importância da leitura para a saúde mental.