O Amanhã
De Pedro Ramalho
A doença roubara-lhe tudo. Primeiro, foi a voz. Seguiu-se a vista. Depois, o esposo e, finalmente, o andar. Sentia-se um peso morto, presa por amarras que se renovavam e multiplicavam a cada má notícia.
Tudo mudou quando uma nova enfermeira entrou na sua vida, e depois no seu coração. Tratava dela com carinho e respeito, surripiava doces da cozinha, contava-lhe as novas da sua vida.
Certo dia, segredou-lhe ao ouvido:
— A partir de amanhã, vai voltar a ver e a andar, minha querida.
Ela duvidou. No dia seguinte, porém, ficou sem palavras quando acordou e viu o quarto. Correu em direção à janela, feliz.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE O AUTOR
Pedro Ramalho
Pedro Ramalho (lê-se Pêdru RRamálhu) é um fulano cujo nascimento foi celebrado com comemorações por todos os continentes, mas também por revoluções menos amigáveis do que as declarações de acidente e os lesados do BES. Como consequência, o Vaticano soltou fumo branco para impedir uma revolução, forçando-os a eleger um novo papa (o terceiro esse ano).
Respeita todos os animais, menos no trânsito. Gosta de desfolhar livros e de palavras começadas pela letra «o». O seu animal espiritual é um pinguim sem bico.
Vive os seus dias entre Sintra e Oeiras, comparando frequentemente Isaltino Morais ao algodão.
Escreve até adormecer.







