O Azeite Não se Mistura com Água
de Cláudia Passarinho
Acabei de me cruzar com os vizinhos do 6. º C. Levanto a cabeça e sorrio, perdido no universo apaixonado deste jovem casal. Sobem as escadas estreitas de mão dada. Na minha mão, levo o saco do lixo com a melhor parte de ti.
Magoam-me os sons do amor à noite. Para eles, é a bússola; para mim, o deserto. Porque amo a ausência de gemidos, a inexistência de toque, o conforto do corpo frígido encostado ao meu corpo quente. Acredito que gostem de movimentos emparelhados. Que se amem num vaivém ondulante e salgado. Eu gosto do frio. De ver os teus olhos para sempre abertos focados na minha vida extraordinária. Concentrados na minha respiração; no meu arfar.
Foi nesse momento, ao cruzar-me com eles, que pensei: não há semelhanças entre nós. Eles são a água e eu azeite. Eles escorregam pelo ralo, enquanto eu me cristalizo.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Cláudia Passarinho
Cláudia Passarinho nasce no ano de 1980, em Lisboa. Ligou-se à Psicologia desde muito cedo. É casada e mãe de dois filhos. Da sua família, sacia o amor, a união e a força para os seus projetos. É nas páginas dos livros que encontra refúgio e será através das suas palavras que procurará deixar um legado. Conta com a participação, enquanto contista e poeta, em variadíssimas coletâneas e antologias publicadas. Conquistou o 2.º prémio no Concurso Literário António Mendes Moreira, uma menção honrosa no primeiro Concurso Literário da Editora Visgarolho, e viu a sua candidatura selecionada para o Programa de Residências Museu da Luz: Arte e Investigação. É cofundadora do podcast «Livros a três», dinamizadora do projeto «À luz das letras», curadora do Clube de Leitura «Inspiração à Ação» e biblioterapeuta. Desenvolve um papel ativo em projetos de formação de escrita criativa, clubes de leitura e na divulgação da importância da leitura para a saúde mental.