O Cocktail

de Margarida Leite

 

Entra em casa e estica-se na cama ebúrnea. As pálpebras pesam-lhe sobre os olhos, obrigando-a a mantê-los fechados. Respira devagar, como quem vai desfalecer. Nunca se tinha sentido assim. Teria sido o cocktail da Cristina a provocar esta sonolência? 

Sobe-lhe pelas narinas um intenso cheiro a gasolina. Estranha, mas não consegue reagir. Um som estrondoso é seguido de labaredas furiosas e irrequietas.  A respiração torna-se ofegante. 

«Tens de sair daqui», diz o cérebro, mas os órgãos não obedecem. O lume atinge-lhe os sapatos, e os pés são chamas encarnadas. Rita berra em silêncio. A boca sabe-lhe a carne queimada. O cortinado, a arder, cai e flameja-lhe o peito. A pele, num vermelho-vivo, começa a estalar, a descolar-se do corpo. No calor infernal, é consumida pelas chamas enraivecidas. O cérebro esfuma-se.

Na manhã seguinte, em lágrimas, Cristina lamenta a tragédia publicamente. Entre paredes, ri entusiasmada, junto de um ignominioso viúvo. 

SOBRE A AUTORA

Margarida Leite

Nasceu em 1968, na Vila de Cucujães.
O gosto pela cultura, em geral, e pela literatura, em particular, levou-a a tirar a licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas e o mestrado em Línguas, Literaturas e Culturas.
É gestora de recursos humanos e formadora.
Como voluntária, foi diretora do Departamento da Cultura do Núcleo de Atletismo de Cucujães, tendo fundado o programa cultural Noites Quentes de Inverno.
Foi membro do júri dos Concursos de Poesia Agostinho Gomes e do Falar de água com amor.
Dinamiza eventos culturais para promover o gosto pelas várias áreas artísticas.
Participa em tertúlias literárias e filosóficas.