O Copo

De Gustavo González

 

Na família do meu pai, há uma tradição muito antiga. Ao completarmos vinte anos, bebemos de um copo que, reza a lenda, traz sorte. Mas não podemos olhar lá para dentro enquanto bebemos. Nunca.

É um copo largo, de cristal espesso, com um formato típico coberto por losangos aguçados que o envolvem. No topo, há uma tampa, também em cristal, que se encaixa com precisão. Visto de fora, o copo parece sempre vazio, pelo que o líquido que nele se encontra é um mistério, vertido pelo próprio copo.

Desde pequeno, vi os meus primos enfrentarem o copo. No entanto, quando lhes questionava o que era, respondiam sempre com um cuidadoso «não sei». Ninguém sabia responder.

Quando fiz vinte anos, finalmente, pude matar a curiosidade que me afligia desde novo. O copo foi retirado da sua antiquíssima caixa, que viu dezenas de gerações da minha família, e foi-me entregue com uma solenidade pesada, sendo destapado com cautela.

Fechei os olhos, bebi, mas não resisti a espreitar. Não devia tê-lo feito. A imagem ainda hoje me assombra, me aterroriza, me atormenta.

No interior, onde deveria estar o fundo do copo, estavam olhos que não eram o reflexo dos meus. Uns olhos doentes, vermelhos e cobertos de ramelas esverdeadas, e que olhavam para mim. Abaixo, um nariz carregado de borbulhas com cabeças de pus gotejantes. E uma boca escancarada, a verter um líquido espesso, escuro, morno e quase vivo, parecendo borbulhar com uma respiração própria.

Contive o instinto de vomitar perante aquela figura e, de forma discreta, bebi tudo de rajada. Engoli em seco e terminei.

— O que é que era? — perguntou-me expectante a minha irmã mais nova, como eu fizera anteriormente.

— Não sei — respondi, enquanto a verdade me atingia com um calafrio. Todos antes de mim o tinham visto. Todos carregavam aquele olhar vazio. E nenhum ousara alertar-me para os horrores da vida adulta.


 

SOBRE O AUTOR

Gustavo González

Nascido e criado aos pés da Serra da Arrábida, descendente de terras de Espanha onde bruxas, paganismo e misticismo se entrelaçam sob o mar e as montanhas, cresceu imerso nesses temas. Geógrafo, musicófilo e devorador de literatura de terror, encontra paz e mistério na superfície e nas profundezas do oceano Atlântico.