O Jogo do Galo
de Francisco Horta
Um dos irmãos desenha a grelha três por três, em tamanho reduzido. A folha de papel branco está repleta de linhas, mas arranja-se sempre um espaço por ocupar. Na divisão ao lado, a mãe grita.
— À melhor de cinco? — pergunta um dos miúdos.
— Não — responde o outro.
Do lado de lá da parede, grita agora o pai. A mãe recupera o fôlego.
— À melhor de três? — pergunta o mais novo.
— Não. Temos de despachar isto — diz o mais velho. — Quem ganhar este ganha todos. — E inicia o jogo. Cruz em cima, à esquerda.
— Fico sempre nervoso — confessa o segundo. — E se ganhares tu? — Bola no meio, à direita.
Cruz no meio.
Bola em baixo, à direita.
Cruz em cima, à direita.
— Vou ganhar.
— Se ganhares, desta vez, fazes mesmo o que tens dito? — Bola em cima, no meio.
— Sim — confirma o mais velho. Fecha os olhos e assente com a cabeça. — Os lápis estão afiados e presos com elásticos. — Mostra os lápis ao irmão.
— Uau — solta o mais novo. — Agora é a sério.
— Agora é a sério. Acertar no pescoço e fazer força para rasgar — diz e exemplifica.
Do outro lado, um prato cai no chão e estilhaça. Silêncio. Talvez tenha terminado.
— Se calhar, já não é preciso — diz o mais novo.
Os gritos, do pai e da mãe, recomeçam em coro.
— Vai ser preciso — Cruz no meio, à esquerda. — Merda, enganei-me.
— Enganas-te sempre. — Bola em baixo, à esquerda.
Cruz em baixo, no meio. Empate.
Mais gritos e loiça partida.
— Vais enganar-te até quando?
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE O AUTOR
Francisco Horta
Francisco Horta nasceu em Vila Franca de Xira, em 1987, e foi criado na Subserra. Sonâmbulo, acordou diversas vezes na pedreira, para lá da serra. Durante o caminho de volta a casa, ouvia sussurros que viriam a inspirar as histórias que escreve. Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa. Tem como principais influências Richard Matheson e Samanta Schweblin. Vive em Almada, com a mulher, a filha e o filho.