O Pintassilgo

de Francisco Horta

 

Preparava-me para apanhar uma amora quando ouvi um remexer nas silvas. A princípio, recolhi a mão, com medo de que alguma coisa me fosse morder, picar ou, pior, puxar-me lá para dentro. A Maria, numa brincadeira parva na escola, empurrou-me, primeiro, e calcou-me depois para umas roseiras. Se doeu.

Mas a curiosidade obrigou-me a espreitar. 

O pintassilgo estava de tal maneira enrolado nos arbustos que nem as asas conseguia abrir.

Talvez tenha caído do ninho, pensei. Talvez os pais estejam por perto. Olhei em volta, e nada. O sofrimento que deve ser, ter de desistir assim de uma cria.

Com cuidado, consegui tirá-lo daquele novelo de picos. A asa direita estava pintada de sangue. 

Levei-o para casa, de mãos em concha. Tive receio de o agarrar com tanta força que o esmagasse. 

Pensei no que seria se me fizesse cocó nas mãos, mas percebi que isso não era o mais

importante. Ele devia estar assustado. Afinal, não me conhecia de lado nenhum. Beijei-o e prometi tratá-lo bem.

Em casa, pus-lhe Betadine, dei-lhe bolinhas de miolo de pão e também água por uma seringa. Depois, pedi ao meu pai uma gaiola, e ele, com alguma reserva, acedeu. Disse-me para não me apegar muito, que o mais provável era que o pintassilgo não sobrevivesse.

Dias mais tarde, acordei com um assobiar. Levantei-me o mais depressa que pude e corri para o alpendre. Embora meio atrapalhado, o pássaro esvoaçava pela gaiola, do baloiço para as grades e das grades para o baloiço.

Abri a portinha de arames e agarrei-o junto ao peito.

Não é que o cabrão do pássaro me cagou na mão, me arranhou com as unhas e fugiu? O que eu suei, com medo que aquele esforço tivesse novamente aberto a ferida da asa.

Quando pousou no chão, atirei-lhe com um pano de cozinha para cima e apanhei-o. Voltei a abrir a portinha de arames, mas larguei-a antes de o devolver ao interior. 

Olha o meu azar, pensei, ao observá-lo. Maldita a hora em que encontrei este cabrão ingrato. Talvez preferisse que eu não o tivesse ajudado.
Saí de casa e caminhei até onde o tinha encontrado.

Afastei um bocadinho as silvas e fui enfiando o pintassilgo lá para o fundo. 

Quando tirei a mão, julguei ter-me cortado em algum dedo, mas o sangue não era meu.
Lembrei-me da Maria. Espero que doa.

SOBRE O AUTOR

Francisco Horta

Francisco Horta nasceu em Vila Franca de Xira, em 1987, e foi criado na Subserra. Sonâmbulo, acordou diversas vezes na pedreira, para lá da serra. Durante o caminho de volta a casa, ouvia sussurros que viriam a inspirar as histórias que escreve. Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa. Tem como principais influências Richard Matheson e Samanta Schweblin. Vive em Almada, com a mulher, a filha e o filho.