O Porco

de Francisco Horta

 

Aos sete anos, pedi um pato ao meu velhote.

— Já tens brinquedos que cheguem — disse ele.

Mas eu queria um pato de verdade. O bicho vivo, disse-lhe eu.

E o meu pai:

— Um pato de verdade? Nem pensar!

No dia seguinte, chegou a casa com um pato amarelo, de borracha, para eu brincar.

Depois, pedi um porco. O meu pai trouxe um porco-mealheiro.

Seguiram-se o coelho porta-chaves e a baleia de peluche. Passaram-se anos sem que nunca tivesse um animal de estimação. 

A minha mulher também não achava graça à ideia. Por isso, prometi a mim mesmo que, quando um filho meu me pedisse um animal, eu ficaria do lado dele.

O André nunca pediu.

Quando fez treze anos, no entanto, disse-me:

— Pai, compras-me um porco-mealheiro?

— Um porco-mealheiro? Não preferes um porco vivo?

— É muito caro — disse ele. Sempre teve jeito para as finanças, preferia guardar o dinheiro. 

Comprei-lhe um porco. Um porco pequeno. Ele ficou felicíssimo. Saltou de alegria e abraçou-me.

— Não precisavas de ter gasto tanto dinheiro, pai!

Passava dias inteiros agarrado ao porco, a fazer-lhe festas, a brincar com ele. Era quase um irmão.

 

***

 

A felicidade terminou quando o sacana do porco começou a ficar doente. O meu miúdo chorava, chorava, preocupado com o animal. Tinham ganho bastante afeição um ao outro. 

Pensei logo no mal que eu tinha feito ao rapaz. Devia ter-lhe dado o porco-mealheiro. A minha mulher, que sempre se opusera, dizia que ela é que tinha razão — e tinha.

— Então o que é que se passa? — perguntou o veterinário à chegada.

Disse ao Dr. Alfredo que o porco não comia, apesar de ainda estar gordo; que passava o dia deitado, estivesse à sombra ou ao sol; que arfava muito e que, ultimamente, nem parecia estar a dormir. Era como se a aflição que tinha nos olhos os impedisse de fechar.

O Dr. Alfredo examinou-o com as ferramentas dele.

— O porco não está gordo — disse. — Está inchado. O bicho não come mesmo nada? — perguntou.

E depois disse o que o porco tinha:

— Está completamente obstipado.

Olhando para o rabo do porco, acrescentou:

— Há alguma coisa aqui dentro.

O Dr. Alfredo calçou as luvas e começou, com algum desconforto, a tirar moedas e notas pelo rabo do porco.

Olhei para o meu miúdo. Parecia mais preocupado em ver para onde ia o dinheiro do que com o animal.

O Dr. Alfredo só se queixava e disse que dificilmente o porco sobreviveria. Levantou-se, tirou as luvas e perguntou impaciente:

— Que é que vamos fazer com o bicho? O melhor é abater.

Tive de me apoiar no ombro dele, o chão abanava-se todo. Demorei uns bons minutos até pôr as ideias em ordem e perceber tudo.

— Olhe — disse eu —, abra-lhe uma fenda nas costas e mande embalsamar. 

 

***

 

Hoje, vamos abrir o mealheiro.


SOBRE O AUTOR

Francisco Horta

Francisco Horta nasceu em Vila Franca de Xira, em 1987, e foi criado na Subserra. Sonâmbulo, acordou diversas vezes na pedreira, para lá da serra. Durante o caminho de volta a casa, ouvia sussurros que viriam a inspirar as histórias que escreve. Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa. Tem como principais influências Richard Matheson e Samanta Schweblin. Vive em Almada, com a mulher, a filha e o filho.