O Primeiro Segredo

de Nuno Gonçalves

 

Sabiam que aquela forma levemente humanóide que brotara da azinheira era uma mulher, mas não sabiam como o sabiam. As suas palavras não lhe escapavam do rosto vazio, chegavam até às três crianças sem cruzar o ar. Quando partiu, ficaram a ver a árvore arder, enquanto tentavam fazer sentido das suas ordens.

Nessa noite, Lúcia entrou descalça no quarto dos primos. Jacinta dormia, mas Francisco soluçava debaixo do lençol. Lúcia ajoelhou-se ao lado da cama do menino.

— Eu não vou matar ninguém, Lúcia.

— Claro que não vais. — Lúcia afagou a cabeça do primo.

— É pecado!

— Pois é.

— Mas ela disse… que, se nós não fizéssemos… que ela ia…

— Sim.

— Tenho medo.

— De morrer?

— Não, eu… eu não sei o que é isso. Mas tenho medo… que me doa.

Lúcia apertou a almofada que trouxera consigo.

— Não vai doer nada, priminho.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE O AUTOR

Nuno Gonçalves

Nuno Gonçalves devora livros há 30 anos. O prazer da leitura fez crescer a vontade de um dia ver as suas próprias palavras no papel, encadernadas, à espera de um leitor. O caminho escolhido foi outro, e a Medicina atraiu-o mais do que as Letras. Manteve a ligação à literatura, retomando os hábitos de leitura e dinamizando um blogue de crítica literária durante alguns anos. Depois de iniciar uma nova caminhada na escrita de ficção, venceu o prémio António de Macedo em 2022 e foi o finalista português do concurso de microcontos da EACWP em duas ocasiões (2022 e 2023).