O Ritual

de Marta Nazaré

Os degraus da escada de madeira rangeram, denunciando passos leves no escuro. Pela terceira vez esta semana, desde que me mudei para casa da minha avó, despertei com figuras sussurrantes. A procissão de vultos passava vagarosamente, do outro lado da porta do meu novo quarto, rumo ao sótão.

Como um malhete a anunciar a sentença, o bater da meia-noite marcou o início do ritual, condenando-me mais uma vez a ouvinte involuntária. Seguiram-se sons graves e arrastados, súplicas e invocações, pancadas que só eu parecia amaldiçoada a escutar. Com o quarto mesmo por baixo da cerimónia, ficava, sem pregar olho, até ao bater das 3 h 30, quando o ranger dos degraus da escada restabelecia a paz, e as sombras voltavam a passar devagar, em marcha solene, pela porta do meu quarto. Nunca me atrevi a espreitar.

Queixei-me várias vezes à minha avó, que o desvalorizou. Disse-me que talvez fosse a casa velha a assentar, ou a minha imaginação hiperativa. Brincou comigo e referiu que talvez fossem espíritos travessos a vaguear nas sombras, escondidos na escuridão. Nada disso me descansou. A minha avó, aparentemente, não sofria destas perturbações. E dormia lindamente. 

Tornando-se as visitas mais frequentes, o meu constante cabecear durante o dia fez-me tomar a decisão que tinha andado a evitar: investigá-las a fundo. Se as rezas que sussurrava à noite e as benzeduras que encomendava ao padre não exorcizavam este mal, estava na hora de instalar uma câmara no sótão… e aguardar. 

Dois dias depois, após ver o vídeo, confrontei a minha avó. Se ela não levasse as orgias para outro lado, a filmagem daquela pouca-vergonha ia parar às redes sociais.