Presságio
de Patrícia Caetano Jorge
Desde que se conhecia como gente, tinha aquele hábito: quando atravessava um lugar escuro, sentia uma tensão fria na lombar e punha um braço atrás das costas, mesmo que fosse só para atravessar o familiar quintal lá de casa.
Com os anos, a tensão aliviou. O braço apenas algumas vezes sentia a necessidade de proteger as costas da expectativa de um toque que ela sabia ser imaginário.
Quando se apaixonou, esqueceu-se desse ridículo medo infantil. Um jantar, um passeio ao miradouro e o clichê das borboletas no estômago. Iam pisando a cidade na iminência de um gesto amoroso.
Ele coloca-lhe a mão na cintura, um tentáculo frio nas costas que finalmente a apanha, depois de uma infância a fugir dele. As borboletas transformam-se em traças, e o grito que lhe nascia na garganta é calado pelo beijo que a estrangula.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Patrícia Caetano Jorge
Nascida e criada à beira do revoltoso mar de Peniche, estudante e professora em Lisboa e agora a viver na Alemanha, Patrícia Jorge sempre carregou consigo o fascínio pelo terror. Era ainda adolescente quando se apaixonou pelo sombrio Heathcliff de Wuthering Heights e por tudo o que inclua vampiros. Não tem qualquer problema em ler livros de terror, mas, para ver filmes, precisa da luz do dia e de companhia. As suas gavetas estão cheias de escritos e de monstros que talvez um dia se atrevam a escapar.