Sangue Frio
De Robson Siebel
Um golpe violento abre a porta da sala do trono. A rainha está sozinha, a sua respiração sibilante ecoa pela sala mal iluminada. Os passos descalços de um homem deixam uma trilha de barro no tapete.
O homem para na frente da rainha, de foice em riste, ainda a pingar sangue.
— Acabou. Rendemos a guarda.
A rainha permanece cabisbaixa, os cabelos brancos formando uma cortina sobre o manto vermelho.
— É… tempo…
A voz sai-lhe cavernosa. Tem os braços soltos sobre o colo, as mãos ossudas com as palmas voltadas para cima, pálidas. O homem agarra-lhe o cabelo seco e força a cabeça dela para trás. A rainha tem os olhos abertos enterrados no crânio, grandes e embaciados. A foice toca-lhe o pescoço, marcando a pele branca com um risco vermelho. Enquanto o homem afasta o braço para aplicar a sentença, o corpo da rainha contrai-se, e os seus lábios separam-se para expelir um líquido amarelo e rançoso, vomitado em direção ao homem.
Ele recua, limpando do rosto o líquido pútrido, e o pé vacila num dos degraus. Cai de costas. A arma foge-lhe da mão. Ao levantar a cabeça, vê a rainha a ter novas contrações — o pescoço incha, um fio escuro de sangue escorre-lhe da boca fendida. Observa enquanto uma língua longa e bifurcada se levanta no meio do sangue. A fenda alarga-se, revelando a cabeça de uma serpente, a abrir caminho com um estalar da mandíbula escancarada.
O homem começa a arrastar-se, buscando a foice. Sente as escamas frias enrolarem-se nos pés, a envolverem-lhe as pernas, a esmagarem-lhe os braços. Só então vê a cauda a sair da boca da rainha, deixando um traje oco para trás. Sente a língua fina tatear-lhe a face, acariciar-lhe os lábios. A cabeça escamosa força gentilmente um espaço através dos dentes antes de escorregar garganta abaixo, abafando um berro entalado.
O corpo permanece imóvel no chão. Já está gelado quando as mãos começam a ter pequenos espasmos. Levanta-se, lentamente, e retira do trono a pele antiga. Envolve-se no manto vermelho, e senta-se.
SOBRE O AUTOR
Robson Siebel
Robson Siebel é natural de Capinzal, uma cidade pequena no sul do Brasil. Conseguiu encontrar uma interseção na carreira de programador e na paixão pela escrita criando jogos narrativos como Blackout: The Darkest Night, também publicado como livro-jogo. Em 2022, teve o seu conto, «O Ovo de Jhan-dih-ra», publicado na antologia Espadas e Feitiçarias. Atualmente, reside em Lisboa, onde trabalha com jogos digitais e escreve contos que vagueiam pela ficção especulativa e pelo realismo mágico.