Segmentos

de Ricardo Alfaia

 

Pequena morte. Deleitante, doce, querida e intensa pequena morte. O meu mais desejado suspiro, o meu mais aconchegante gemido. 

Sopro de vida ao fim.

Acaricio a tua face enquanto a minha mão desce ao meu ventre. Sinto-me. As minhas coxas perguntam-me por agrado, os meus sentidos por atenção. Passo os meus seios soltos pelo teu peito liso e levo os teus dedos ao mais húmido de mim.

 

Diz-me, como te chamas, perguntaste, e antevi os acontecimentos. O teu cheiro a erva-moura provocou uma alteração do espectro de cores. O teu odor levou um preto-e-branco a encher o espaço e tudo passou a ter uma só razão. A única cor perante mim — a tentar seduzir-me, a pensar que o conseguia, a alimentar uma ilusão de superioridade macha — eras tu. Mas fui eu! Fui eu que o quis! Fui eu que te levei ao deixar-me levar!

 

O orgasmo espera somente por obedecer. Aguarda as minhas ordens enquanto atraso o tempo e prolongo o meu prazer. Eu mando! Também em mim, eu mando! Encho o peito de ar lascivo para os derradeiros momentos vibrantes. Espero. Roço-me nos teus dedos, molho-os de mim. Paro. 

Recomeço. 

E paro.

Até…

Ah, por fim. Por fim. POR FIM! 

Pequena morte que me abraças, amas, seduzes e possuis. Bem-vinda sejas, libertadora da carne, dádiva do Universo. Choques vibrantes pelo corpo adentro, fluidos sensuais pelo corpo fora.

Já não mando mais em mim.

 

Despe-te!, exigiste.

Era só uma peça, foi fácil a submissão. 

Coraste ao ver o meu corpo nu quando o vestido se mirrou até ao chão. Não esperavas tanta audácia. Meu homem menino, traído pelo próprio sangue. Aqui, sou eu que dou as ordens. 

Ainda o não sabes? 

Ainda o não sabes. 

Primeiro, bebemos e dançamos nus, disse-te. Levei as mãos ao teu pescoço, passei a língua pelos teus lábios e continuei. Temos tempo, relaxa, vou fazer-te um cocktail. Depois, vou-te foder todo!

 

Tiro os teus dedos de mim. Inspiro fundo o ar quente e doce. Levanto-me e abro a janela. Alta, com vista para a cidade. Ouve-se a vida de milhares de vidas e, ao longe, uma sirene apressada. Com ela, como para me socorrer, surge uma aragem que me envolve e acalma o suor no pescoço, axilas, seios. Viro-me com um sorriso. 

Quero mais! 

Pouso a tua mão no parapeito e dirijo-me às tuas pernas. Alinhadas no sofá, esperam que me sente nos teus pés. Bonitos, elegantes, dedos longos e perfeitos. 

Tenho sede. Do copo de cristal que a minha madrinha me ofereceu no crisma, bebo um bom gole do teu sangue e sigo as ordens da minha excitação. E um tudo-nada antes de me oferecer de novo à loucura do meu sexo, noto que na mesa da sala, na tua cabeça, bem arranjada entre dois vasos com cravos, o teu penteado permanece perfeito.

Bom cocktail, apreciaste, pouco antes de adormecer.

SOBRE O AUTOR

Ricardo Alfaia

1969 (Maternidade Alfredo da Costa, Lisboa) > Évora > Lisboa > Évora > Nuremberga > Ingolstadt > Weichering > Santa Cruz.

Empregado de mesa > cozinheiro > condutor > barman > casamento > assistente de fotografia publicitária > filho > fotógrafo > gerente de restauração > designer gráfico > filho > filha > web designer > autor > cofundador da Fábrica do Terror.

 

«O Homem planeia, e Deus ri.»