Sombra na Maré
de Ana Paula Miranda
Marinheiros e pescadores descreviam, no bar da praia, a melodia vertiginosa sussurrada em noites de lua cheia. A maga habilidosa inebriava as almas. Distante. Sorridente. Dentes afilados, olhos de coruja, rosto de baleia, barba esquálida. Não era mulher. Nem homem. Nem outro qualquer.
João quis enfrentá-la. Na noite enfeitiçada, aproximou-se do penhasco das vagas altas. Esperou. A auréola amarelada-baça iluminou-o. Guiou-o. Apontou para o mar. Reviravolteou o foco e espiralou. O rapaz seguiu-lhe os movimentos. Desnorteou-se.
No mar, lá em baixo, viam-se redes. Pesadas. A silhueta de três sereias brilhava. As escamas eriçadas. Os olhos fluorescentes. A melodia do seu canto, em crescendo, de cicio ventilado, invadiu o oceano. A terra. A Lua. João.
A melancolia chamativa levou-o a aproximar-se. Abeirou-se hipnotizado. A lua cheia revirou o eixo para as águas. Cristalinas. Egrégias. Luminosas. As sereias num coro de lamento.
De madrugada, um corpo bailava ao sabor da ondulação.
SOBRE A AUTORA
Ana Paula Miranda
Ana Paula Miranda nasceu em 1969 na cidade de Lisboa. Licenciou-se em História pela Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Leciona a disciplina de História.
A escrita foi, desde sempre, uma das suas paixões, tendo publicado, em 2007, o livro Luís Fróis: um português no Japão no século XVI, direcionado aos mais jovens. No presente, frequenta formações na área literária e participa em dinâmicas de escrita diversificadas.