Sujidade
De JP Félix da Costa
Ezequiel fora condenado à morte. O pequeno Tomás tinha sido encontrado estrangulado na floresta. Ezequiel, o deficiente da aldeia, o último a ser visto na companhia dele, era acusado de o matar pela inveja de o pequeno Tomás lhe roubar as atenções.
Foi julgado e condenado ali, no momento. Juiz só havia na cidade, que ficava a três dias de caminho. O povo não iria esperar.
Levado a braços, Ezequiel foi conduzido para o poço onde se acumulava o esterco da aldeia. Todas as fossas desaguavam ali.
— Assassino! — gritavam todos, enquanto acompanhavam o cortejo.
— A sujidade à sujidade pertence! — entoavam quando, por fim, o arremessaram para o fundo do poço.
A execução de Ezequiel foi motivo de exultação. Fazia-se justiça.
A velha da montanha, que se dizia conviver com a sabedoria do antigamente, suplicou que retirassem Ezequiel do poço, que estavam a condenar a aldeia. Em resposta, recebeu apenas ameaças que a obrigaram a voltar para onde veio.
Durante todo o dia e toda a noite, Ezequiel gritou.
No dia seguinte, dois pastores passaram na aldeia e trouxeram a notícia de um vagabundo confesso, preso na madrugada, que fora levado para a cidade. Da fossa, apenas chegava silêncio. Ezequiel, o inocente, estava para lá da salvação.
Na noite seguinte os aldeões começaram a desaparecer. A princípio, não foi dada muita atenção, mas os números aumentavam, um por noite, e o medo não tardou a espalhar-se. As conversas em surdina e as portas trancadas ao pôr-do-sol denunciavam um terror silencioso que se espalhava pela aldeia.
Independentemente da quantidade de ferrolhos que se aplicassem nas portas e janelas, os desaparecimentos continuavam. No ar, adensava-se um odor fétido. No chão, por todo o lado, viam-se rastos de esterco.
Um a um, os habitantes continuavam a desaparecer. Ninguém, ainda assim, equacionava abandonar a aldeia. As raízes eram demasiado fundas, prendendo-os à única terra que conheciam. Todos os esforços, deste modo, se concentraram em descobrir o culpado. Mas não encontraram nenhum.
Na madrugada após a noite em que o último aldeão desapareceu, o corpo de Ezequiel surgiu junto ao poço para onde tinha sido atirado.
A sujidade apenas reclamava aquilo que lhe fora prometido.
SOBRE O AUTOR
JP Félix da Costa
Apaixonado por livros desde o primeiro dia em que um lhe caiu nas mãos, JP (João Pedro) Félix da Costa tem nutrido o gosto pela escrita. Pelas circunstâncias da vida, esse caminho foi ficando perdido em fragmentos de textos e histórias que guarda para mais tarde terminar. Mais de quinze anos volvidos sobre a publicação de um livro juvenil, procura agora recuperar o tempo perdido e entregar-se às Letras para fazer o que mais gosta, dar vida aos mundos e histórias que lhe fervilham na imaginação, desde histórias para crianças a histórias do mais profundo horror.