Worry Teddy

de Ágata C. Pinho

 

Estava frio na tenda. Tinha-se esquecido do colchão, e o chão duro como uma tábua (porque é que diziam sempre que faz bem às costas?) mantinha-a acordada. A forte probabilidade de aranhas preocupava-a. Quase as conseguia ouvir a conspirar o seu futuro vaguear pela lona. 

Pegou no telefone, ainda com bateria, e abriu a aplicação que tinha instalado horas antes. Worry Teddy. O avatar de um urso com aspeto de goma dizia: 

«O que é que te preocupa neste momento?» 

Ela escreveu. 

«Aranhas.»

«Deixa-me ficar com essa preocupação por ti. Vou guardá-la e, quando ela já não te incomodar mais, podes aceder a este item e apagá-lo.» 

Tentou concentrar-se noutra coisa, mas a bexiga dava sinais de urgência. O WC ficava quase do outro lado do acampamento. Era só uma caminhada de três minutos, mas era preciso abrir a tenda — fecho interior e exterior —, calçar os ténis, sair para o ar frio da madrugada. No entanto, não estava a conseguir dormir, então porque não?

O WC cheirava a desinfetante. O papel higiénico era fino, dos baratos, e só havia um sabão azul e branco quase defunto para lavar as mãos. Viu-se no reflexo do espelho que ocupava a parede inteira e perguntou-se porque é que se preocupava sempre com tanta coisa, a toda a hora. Depois, saiu para a rua. 

O som estranho de mandíbulas a trincar soou atrás dela. Enquanto os olhos se habituavam ao novo setup de luz, a primeira coisa que viu foram as patas pretas, longas e peludas, quase da altura do pequeno edifício térreo do WC. Os olhos horripilantes de um urso de peluche, baços à luz difusa do candeeiro de rua, fixaram-se nela. Olharam-na como se soubessem exatamente tudo aquilo que a assustava. 

Não houve ninguém para testemunhar aquele encontro, a não ser o silêncio de almas a dormir, as suas mentes em standby, as respirações abandonadas ao que quer que acontecesse. A noite ser-lhes-ia clemente.

Teve menos de um segundo para reagir. As pernas pareciam não ter recebido o recado de que era altura de começar a correr. Responderam entorpecidas, como nos pesadelos. A aranha-ursinho, por sua vez, era rápida. As patas moviam-se com agilidade, a cabeça fofa de peluche quase tombando atrapalhada, em contradição com o resto do corpo. A articulação entre os dois era eficaz, contudo. Quando a primeira pata a alcançou, os pelos eriçados produziram-lhe um golpe fino na garganta, de onde jorrou sangue em profusão. Quando caiu, o grito soou-lhe por dentro, não exalado. Não teve oportunidade de se debater. A criatura abocanhou-lhe a perna direita (a que tinha a tatuagem do unicórnio da sorte), as quelíceras perfuraram-lhe a pele e injetaram o seu veneno, enquanto a aranha a arrastava rampa acima, até passar a entrada do parque e sair para a escuridão.

O ecrã do telefone caído no chão acendeu. O som da notificação ecoou baixinho. Worry Teddy: Incidente em curso. Devido a uma falha crítica no sistema, recomendamos que evitem qualquer interação com os Worry Teddies até nova atualização. Agradecemos a vossa paciência enquanto resolvemos o problema. Como sempre, não se preocupem! 

A notificação ficou ali, sem nunca ser marcada como lida.


SOBRE A AUTORA

Ágata C. Pinho

Ágata C. Pinho estudou Ciências da Comunicação – Cinema e TV na FCSH – UNL e frequentou o mestrado em Desenvolvimento de Projeto Cinematográfico na ESTC. Atualmente, trabalha com tecnologia, como support engineer, onde combina os estudos em comunicação e narrativa à interação com bases de dados, resolução de problemas e análise de código.