«Else» (2024)

Um filme de Thibault Emin.

Horror corporal franco-belga.

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Maria Varanda

Aposto que ninguém estava à espera de que este filme viesse parar à Sessão da Noite. Na realidade, aposto que muitos nem sabem que filme é este.


Sejam bem-vindos à primeira sessão da noite «o que c****** é que eu acabei de ver?» — parafraseando-me a mim mesma quando cheguei ao final dos 100 minutos da longa-metragem.


Else (2024) contextualiza-nos numa pandemia (mais uma, yayyyy), onde um vírus funde todos os seres vivos às coisas inanimadas em redor, e acompanha um recém-casal na sua tentativa sufocante de sobreviver ao fim do mundo como o conhecem.
O filme começa desde logo numa classificação de perturbador bastante para lá das linhas do confortável, com o contraste entre os ideais das duas personagens principais, Anx (Matthiew Sampeur) e Cass (Edith Proust). Numa linha que parece querer desenrolar-se sobre os conceitos de germofobia e o que quer que seja o contrário disso mesmo, em nada é anunciado aquilo que vai acontecer e as temáticas vão crescendo e vão-se concentrando (e os seus limites esbatendo-se também) conforme avança o relógio.
A longa-metragem é da mão de Thibault Emin, sendo a versão desenvolvida da sua curta com o mesmo nome datada de 2007.
A obra é mais do que o simples retrato de uma história. É também ela uma fusão entre o instinto de sobrevivência e a dor e o sufoco que advém do trauma, da dependência emocional e da perda da própria identidade, colorida e descolorida num pesadelo surrealista. Numa forma muito artística, o filme evolui de um cenário organizado e altamente familiar (mas sempre peculiar) para uma imagem dismorfa e altamente alucinatória, acompanhando o desenrolar da trama e o desfiar dos protagonistas.
Partindo da necessidade de mudança, Else (2024) aborda a necessidade da transformação no processo de cura, mas também expressa como rapidamente se esbatem os limites do self em contextos não promotores da integridade, como o confinamento e o isolamento, a codependência emocional e, fundamentalmente, a aceitação ou não do mundo (e de nós próprios) como o conhecemos.
Há quem diga que é a versão francesa do Together (2025), mas, caso não consigam fazer contas, Else viu a luz do Sol uns meses antes. Thibault Emin discursou numa entrevista em Sloan Science & Film sobre as inevitáveis semelhanças com o confinamento COVID-19 e sobre as inspirações de Else no que concerne a componentes importantes da sua obra, caso algum dos nossos fiéis leitores esteja interessado no que raio ocorria na cabeça de Emin enquanto realizou Else.
Else estreou no TIFF [Toronto International Film Festival] de 2024. O filme não está em nenhuma plataforma de streaming, mas poderão alugá-lo ou comprá-lo para uma experiência de visionamento «tripada».

Até à próxima Sessão da Noite, despeço-me, certa de que mais pesadelos esperam por mim no futuro, talvez com o sistema digestivo de um prédio.


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Maria Varanda

Diz-se que nasceu em Portugal em 1994, pelo menos nesta reencarnação. Quando a terceira visão está alinhada, brotam ideias na sua mente que a inquietam e tem de as transcrever para o papel para sossegar o espírito. Chamam-lhe imaginação, mas se calhar as ideias vêm de outro lado, e Maria serve apenas de meio de transmissão. Procura-se quem queira ouvir a mensagem.

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