Opinião sobre «Alan Wake»
E se a ficção se tornasse realidade?
«Os pesadelos existem fora da lógica, e é pouco divertido tentar explicá-los; isso é antitético para a poesia do medo», Stephen King.
Existe um exercício de escrita — um dos meus preferidos — que se baseia em questionar, uma e outra vez, «e se».
E se a nossa personagem ganhasse vida? (Pinóquio.)
E se a Morte deixasse de matar? (As Intermitências da Morte, de José Saramago.)
E se entrássemos na nossa própria história — mas não de forma omnipresente, e sim como a personagem principal, numa história que nós próprios criámos?
Alan Wake é o fruto desse exercício.
Desenvolvido por Remedy Entertainment (o mesmo criador de Max Payne) e lançado em 2012, Alan Wake tornou o autor a personagem principal de uma história de terror. Não nos esquecemos de que, no mesmo ano, saíram Slender, Resident Evil: Revelations, Resident Evil 6, I am Alive e tantos outros. Mas, ao contrário destes, Alan Wake vinha despertar um terror ainda não muito bem explorado: o terror psicológico — ou, como gosto de dizer, a queda na própria mente (relembrando American McGee ‘s Alice), porque é isso que este videojogo é, uma queda em espiral em que a realidade deixa de ser tangível.
Será por essa razão que os autores precisam de uma época de respaldo?
É exatamente isso que Wake quer fazer: descansar e, acima de tudo, voltar a encontrar-se como escritor. Após o lançamento e tour do livro Departure, o casal (Alan e Alice) procura um local calmo onde possa voltar a respirar, sendo não apenas eles próprios, mas um casal.
Apesar de estarem num local remoto, a notoriedade do autor é palpável em todos os locais que visitam. O diner é não só a primeira paragem como também o início de toda a loucura.
Vou ser honesta, o primeiro episódio — contamos com seis — é calminho, uma introdução a quem é o autor e que tipo de loucura o persegue.
São nos cinco/dez minutos em que estamos neste local que conhecemos todas as personagens importantes do jogo (à exceção de Barry, que conhecemos um pouco mais tarde).
As primeiras impressões lançam-nos numa direção diferente daquela em que acabamos. Uma perspetiva de que as personagens do livro de Wake estão a ganhar vida, mas de uma forma distorcida, imperfeita, quase como sombras. São as sombras que nos perseguem, e é a luz que nos salva. Algo simples, ao que parece.
Clichê? Sim. Super. Mas podemos dar os parabéns aos criadores, pois eles abraçam de imediato os clichês. Não nos esqueçamos de que estamos a falar de um escritor de terror que está a ver a sua história a ganhar uma proporção que nem ele sabe como controlar, uma vez que tanto é o herói como o vilão.
Desde o início que o jogo admite ter influências de várias obras, a maior parte delas de Stephen King. Isto revela-se, aliás, na frase inicial do jogo — a mesma que está no subtítulo. Não vou dizer quais as restantes obras — eu queria, mas não posso, sob o risco de arruinar a experiência —, mas, para aqueles que gostam de Stephen King, será uma boa aposta. Às vezes, pode ser um tanto ou quanto demasiado, mas, ainda assim, interessante.
Alan Wake, no entanto, não é Stephen King, e, infelizmente, começa a perder-se. Afinal, a sua última obra teve um grande sucesso, mas conseguirá a próxima acompanhar a fama? Ou será o fim da sua carreira?
Juntando o stress, a ansiedade, o não querer desapontar Alice, a pressão para criar uma nova obra, a fama, o facto de estar a ver as suas personagens ganharem vida e um acidente com a mulher, nós, como jogadores, deixamos de ter perceção do que é real e do que não é; do que está a acontecer no presente e do que são lembranças; do que aconteceu verdadeiramente e do que não passa de fantasia; do passado que já se escreveu e do futuro, aparentemente, inalterável.
Mesmo terminando o jogo, não faço ideia do que é real e do que não é. O desfecho deixa mais questões do que respostas, abrindo passagem para Alan Wake 2. Mas, como foi dito por Stephen King: «é pouco divertido tentar explicar».
Recomendo muito Alan Wake, apesar de não ter gostado de tudo. E é exatamente o que não adorei que gostaria de ver os outros discutir.
Podem assistir ao trailer do jogo aqui.
Estarei live nas «Segundas-feiras do Terror» na Twitch (onde me podem ver perder — mantenham as expectativas baixas).
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Martina Mendes
Habituada ao terror desde nova, Martina via filmes assustadores para adormecer. Até hoje, não consegue terminá-los. É por isso que escreve sobre terror e que, mais recentemente, joga dentro do género. Com os jogos, definitivamente, não adormece!







