Sobre a apresentação do Sangue Novo — Uma Antologia no Fantasporto

«Não são apenas nomes numa ficha técnica. São amigos na escrita e na vida. Uma pequena comunidade de terror com um imenso potencial de expansão.»

De Pedro Lucas Martins

 

Ao começar este artigo sobre a apresentação do livro Sangue Novo no 42.º Festival Internacional de Cinema Fantástico do Porto, não posso deixar de pensar no percurso que ele fez até lá chegar.

O Fantasporto sempre foi, para mim, um festival de uma magnitude quase mítica, digno de homenagem, de necessárias peregrinações ao Rivoli para ver o que não se apresentava em mais nenhum lado em Portugal — salvo no Quarteto, que, nos seus saudosos tempos, exibia os vencedores de cada ano aos privilegiados espectadores de Lisboa e arredores.

Foi através deste festival que vi filmes tão díspares como The Host (de Bong Joon-ho); Frostbiten (de Anders Banke), La Hora Fría (de Elio Quiroga), assim como curtas que ainda hoje, esporadicamente, me vêm à memória, como a Happy Birthday to You (de David Alcade).

Filmes vencedores do festival encontraram assim a projeção que me permitiu ver o Cubo ou o Nada, de Vincenzo Natali, ou Uma História de Duas Irmãs, de Kim Jee-woon — filmes que me abriram portas de imaginação e ajudaram a moldar a minha atual visão do terror.


Isto para dizer que ver-me não na plateia do festival, mas a apresentar a antologia que editei, com os 15 autores que a integram, é nada menos do que extraordinário.


Extraordinário é também que se tenha passado pouco mais de um ano (um ano e três meses, para ser exato) desde que lhes estendi o convite para escreverem um conto e participarem nesta obra pioneira, que pretende dar a conhecer novos talentos da literatura de terror nacional.

No primeiro andar do Teatro Rivoli, 15 cadeiras esperam. Quase todos os autores vieram, não apenas de vários locais do país, mas de além-fronteiras — da Escócia, do Luxemburgo, da Alemanha, de França. Querem estar presentes naquele que continua a ser um dos festivais de referência no nosso país e ver o seu trabalho, merecidamente, reconhecido. De forma mais ou menos consciente, fazem parte da mudança que pretendo ver no nosso país em relação ao terror.

A audiência vai-se acomodando; os autores também. Estes últimos, imagino eu, progressivamente mais nervosos à medida que a hora se aproxima. Uns disfarçam melhor do que outros. São escritores de terror, habituados a sangue, monstruosidades e maldições, calejados para as mais bárbaras formas de violência, menos para aquela a que estão agora expostos — o horror de falar em público.

A mesa, longa, parece pequena para tantas pessoas, mas há um conforto e uma segurança que se sente por estarem juntos — por estarmos juntos. Este, afinal, é um grupo coeso; que se apoia, que se ajuda, que se encoraja. Não são apenas nomes numa ficha técnica. São amigos na escrita e na vida. Uma pequena comunidade de terror com um imenso potencial de expansão.


Tenho a certeza de que estes (por enquanto) novos autores ainda terão muito a escrever e a dar a este género que amamos e que nos une. Porque o caminho já começou. Trilha-se agora no Fantasporto. Quem sabe onde se trilhará amanhã?


Liliana Duarte Pereira, Francisco Horta, Vanessa Barroca Reis, Sandra Henriques, José Maria Covas, Sandra Amado, Paulo A. M. Oliveira, Martina Mendes, Susana Silva, Ricardo Alfaia, Maria Varanda, Marta Nazaré, Patrícia Sá, Madalena Feliciano Santos e Cláudio André Redondo. Todos estes autores, para grande felicidade minha, aceitaram o convite. Todos eles tiveram a coragem de me ceder o seu texto, incertos sobre forma e conteúdo, incertos sobre o destino que eu lhes daria. Estou-lhes grato por isso. Estarei sempre. E pretendo, com este livro, retribuir-lhes a confiança, e pedir-lhes que continuem a ser corajosos. O primeiro passo foi dado, mas muitos mais são necessários.

Beatriz Pacheco Pereira, organizadora do Fantasporto desde a sua origem, dá início à apresentação. Os autores falam sobre os seus contos, sobre os seus processos, sobre as obras que os influenciaram, sobre o poder transformador e curativo do terror. Falam sobre a importância deste género na literatura e na sociedade, de como é intrínseco à condição humana, de como certas histórias precisam de ser contadas para espelhar o melhor e o pior de nós, para aprendermos, para nos superarmos, para sobrevivermos. O meu sorriso trai uma satisfação imensa por ouvir neles respostas tão genuínas.

Não imaginam estes autores (imagina este editor por eles) que um dia olharão para trás, para esta altura, como um começo. Quando não tinham leitores que os reconheciam pelo nome, quando não eram convidados a falar ou a participar em eventos, quando não eram abordados com outros projetos, potenciados pelo seu sucesso.

Mas o futuro, esse monstro feito de possibilidades, está ao virar da esquina. E o que é hoje uma ideia pode amanhã — com alguma medida de trabalho, vontade e iniciativa — tornar-se realidade.

O Sangue Novo é prova disso. 


Assim, como é óbvio, posso pensar: «que boa viagem esta tem sido». Mas prefiro perguntar-me, com entusiasmo: «onde mais ela nos irá levar».