Contos arrepiantes da história de Portugal

O terror como ferramenta de aprendizagem

de Marta Nazaré

Recordo-me de que, quando me pediam para ler um livro sobre a História de Portugal para a escola, pensava instintivamente em manuais volumosos, repletos de datas e factos apresentados de uma forma tão desinteressante que manter-me acordada ao fim de meia dúzia de parágrafos era complicado, quanto mais reter a matéria.

É neste campo que a coleção «Contos Arrepiantes da História de Portugal», da chancela Nuvem de Tinta, da Penguin Random House, pretende fazer a diferença.

Nos três livros já publicados ― Idade Média Medonha, Descobrimentos Desgraçados e Império Implacável ―, os autores Rui Correia (professor de História) e António Nabais (professor de Português e Latim) recorreram à experiência da sala de aula para apresentarem, de uma forma divertida e simples, os momentos mais importantes da história do nosso país.


O que distingue estes livros de outros do mesmo género é a ênfase dada a pormenores que podem ser considerados demasiado impressionáveis.


Em Idade Média Medonha, ficamos a saber que o pez negro despejado no inimigo do alto da muralha de um castelo era uma tática de guerra menos própria, que provocava uma morte agonizante. Com este primeiro livro da coleção, percebemos que vale tudo para ganhar uma batalha: pedir conselhos a feiticeiras (como D. Sancho), aldrabar os Castelhanos exibindo pão que não se tem (como Deu-la-Deu Martins), mentir para não entregar o castelo (como Nuno Gonçalves) ou impedir os Árabes de ter acesso à água (para não tomarem Silves).

Mas a dificuldade era ainda maior quando tinham de lutar contra «um inimigo invisível e completamente desconhecido» a que chamaram de Peste Negra, que levava a uma morte de puro sofrimento ao fim de três ou quatro dias.

Já em Descobrimentos Desgraçados, percebemos que as tormentas dos marinheiros em alto-mar iam muito além de insolações, alucinações, ataques de piratas e o medo de dobrar cabos como o difícil cabo Bojador.

Numa época em que a medicina considerava que tomar banho era de evitar ― porque «a água abria poros e por lá entravam as doenças» ―, os autores explicam que se recorria com frequência à trepanação nas hemorragias internas e ao corte das gengivas quando estas apodreciam por falta de acesso a vegetais frescos.


Viajar de barco era tão violento que tripulações inteiras padeciam de doenças ou, simplesmente, entravam em pânico com as intempéries, dando origem às famosas histórias de navios-fantasma. Nem todos tinham as «sete vidas de Vasco da Gama»!


Em terra, viajar era também um autêntico pesadelo, como nos contam em Idade Média Medonha. A maioria andava a pé. Ter um cavalo era «privilégio dos endinheirados» e, por isso, sujeitavam-se a inúmeros perigos: os fenómenos atmosféricos, os atalhos estreitos nas montanhas, os animais selvagens (lobos e ursos) e as emboscadas e assaltos dos ladrões que, tantas vezes, tiravam a vida aos viajantes. O ideal era mesmo não embarcar em grandes aventuras.

Em Portugal, a falta de higiene estava um pouco por toda a parte, algo transversal aos três primeiros livros da coleção. Nem mesmo quando enriquecemos com o ouro do Brasil, como nos explicam em Império Implacável, as condições melhoraram.

No século xviii, por exemplo, os turistas que visitavam Lisboa queixavam-se não só da falta de latrinas nas casas, mas principalmente das «imundices» atiradas janela fora sem qualquer consideração por quem estivesse a passar. Estes comportamentos atraíam os mais variados bichos e originavam doenças horríveis, que a superstição dos Portugueses achava possível curar com sanguessugas, pão cozido na Sexta-Feira Santa ou um ovo cozido na própria urina, enterrado posteriormente para as formigas comerem. Se elas lhe pegassem, a cura era garantida.

Em 1755, porém, não houve mezinhas ou rezas que valessem aos Lisboetas no terramoto, catástrofe que acreditaram ser o fim do mundo. Em 1777, também ficou outra tragédia para a história: o incêndio do bairro da Trafaria, a mando de Pina Manique, um homem violento e implacável cuja crueldade rivalizava apenas com a de Marquês de Pombal.

Narrados num tom cómico e pedagógico, podemos ler estes e outros episódios, com personalidades mais ou menos conhecidas, na coleção «Contos Arrepiantes da História de Portugal».

Juntamente com as ilustrações realistas de Hélder Falcão e os comentários atrevidos de dois jovens da atualidade chamados Teresa e Manuel, o objetivo é levar um público jovem (e não só) a interessar-se por História.

Nada é mais chamativo do que os apontamentos de terror presentes em praticamente todos os contos, que atuam um pouco como os autos-de-fé da Inquisição a atrair multidões de curiosos às praças.


Quando se sabe que há «lutas e sangue e caveiras e coisas dessas que metem medo», ninguém quer perder pitada.