O Verniz
de Ana Mourão
Silvestre limpou uma gota de suor da testa e deu um gole na sua aguardente, quando viu o amigo aproximar-se e sentar-se à sua frente.
Aquele café era o único aberto àquela hora. Cheirava a lixívia e, ocasionalmente, ouvia-se o choque eléctrico dos mosquitos a bater na armadilha, dando uma tonalidade azulada às paredes. As mesas eram pegajosas. O ar sabia a fritos.
Aníbal esperou que Silvestre começasse a falar. Ouviu, enquanto observava outra gota a escorrer na testa do amigo. Parecia nervoso.
Quando Silvestre tomou coragem, engoliu num gole o resto da bebida e descreveu como envernizara o esqueleto da mulher, guardando-o depois no roupeiro.
Esperava uma reacção diferente.
Aníbal não soube o que dizer. Manteve-se inexpressivo, respirando calmamente, como se o segredo do amigo não o tivesse afectado. E não tinha. Pensava, em vez disso, em que marca de verniz ele teria usado. Também odiava a sua mulher.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Ana Mourão
Ana Mourão, licenciada em design gráfico, sempre soube que a sua vida estaria ligada às artes. Sempre adorou desenhar e escrever e, depois de se licenciar e se aventurar no mundo das agências publicitárias dentro e fora de Portugal, decidiu criar a sua marca de convites e estacionários para eventos e abrir um atelier. Usa a escrita criativa como um hobby que a transporta para tantas histórias e mundos diferentes.







