Obituário

de João Paulo Francisco

 

Calhou-me outra vez a revisão de um obituário. O dinheiro extra é bom, mas não compensa pelo facto de os conseguir ouvir.

 

«É com profundo pesar que a família…» 

Profundo pesar? Estavam desejosos de que eu batesse a bota. 

«[…] após um período de doença prolongada…» 

Não devia de ter bebido tanto, mas como é que ia aturar a minha mulher e os imbecis dos meus filhos?

«[…] e dedicou grande parte da sua vida ao ensino, como professor de Ciências Naturais…» 

Adorava mostrar o interior dos animais, dissecá-los e ver aquelas carinhas de nojo. Teria adorado que eles pudessem ter visto o que fiz à auxiliar Eduarda. Que cara fariam então? 

«[…] seguindo-se o cortejo para o cemitério dos Prazeres.» 

Prazer seria sair do caixão e brincar com as vossas entranhas.

 

Como eu odeio obituários.


SOBRE O AUTOR

João Paulo Francisco

Nasceu em Lisboa, nos anos 90.
Em criança, o escuro e os pesadelos eram os seus maiores inimigos. Para os enfrentar, mergulhou em filmes, livros e jogos de terror, e, curiosamente, o medo acabou por se transformar em fascínio.
Trabalha na área de IT, mas sentiu necessidade de escrever os sonhos e ideias que teimam em persistir, até ganharem forma no papel.


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