Por Inteiro

de Nika Oduarg

Há semanas que a observo. Em silêncio e à distância, sem revelar a minha presença. Ela não sabe que a desejo, que a quero possuir, sentir, comer. Que a quero toda. Por inteiro.

Quando a noite cai, vejo-a nua e a rebolar na cama em busca da melhor posição para receber o ar fresco da ventoinha. Por vezes, não está só. Não gosto disso, pois já decidi que ela me pertence. Desgosta-me assim vê-la com outros, a dançar pelos lençóis. Não gosto dos risos, dos murmúrios. Também não gosto dos ruídos. Perturbam-me. Não gosto de ver como ela se entrega nem de como a desfrutam. Tenho vontade de intervir e acabar com aquilo.

Controlo a impulsividade, no entanto. Pacientemente, espero o momento certo para aparecer, para me revelar. 

Deixei de comer. Deixei de dormir. Não consigo parar de a observar. Talvez seja obsessão, uma espécie de loucura. Imagino-me a entrar, e ela assustada. Fantasio que lhe aperto o pescoço enquanto ela luta e se tenta libertar. Sonho com as suas pequenas mãos na minha pele. Imagino o sabor dela, o seu cheiro… 

Decidi que vou prendê-la. Entrelaçar-me nela e imobilizá-la. Quando estiver dominada, já sem forças para gritar, vou olhá-la nos olhos e saborear a minha conquista. Vou abrir a boca, estender a mandíbula, e ela, ainda que sem reacção, vai saber — vai saber que a vou devorar. Vou ver esse pavor nos olhos dela quando começar a consumi-la. A cabeça primeiro. Depois, os ombros. Vou senti-la a deslizar à medida que a engulo, enquanto sinto a sua pele lisa e quente, a escorrer para o meu interior. 

Tenho de esperar, ainda assim, mas ela vai valer a espera — vai ser a minha última refeição. Depois, resta-me hibernar com a forma dela, mudando enquanto durmo, enquanto ela se vai dissolvendo lentamente dentro de mim.

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945