Crítica a «…e, felizmente, não viveram para sempre», de Nuno Gonçalves
Uma coletânea com uma abordagem bastante diversificada, que faz questão de pôr em causa o conceito de finais felizes.
Com uma voz muito própria e bastante consciente de que tudo na vida acaba, o autor transporta-nos numa viagem ao horror que tanto tem de horrível como de emocionante.
Deixem-me começar por aquilo que acho mais importante esclarecer logo à partida nesta crítica: sim, este livro foi publicado pela Fábrica do Terror. Sim, o autor tem diversos contos publicados na Fábrica. Não, eu não sou daquelas pessoas que diz que gosta só para não chatear a malta. Em suma, a opinião que aqui vos dou é honesta — se não gostasse, era precisamente isso que viria aqui dizer.
…e, felizmente, não viveram para sempre é uma obra que se dedica a contos que, como o título bem indica, não terminam no final feliz a que muitas vezes estamos habituados. O que mais me surpreendeu foram as diversas formas como o autor interpreta o conceito da mortalidade — nem sempre estamos, realmente, a abordar a morte, mas o fim de algo, que nem sempre tem de ser negativo. Salta-me à memória o conto «Devolvidos», em que o final é triste para quem está a narrar a história, mas não o será necessariamente para a personagem de quem falam.
Entre o grotesco e o humorístico, há todo o género de contos nesta coletânea; a maneira como o Nuno explora a inevitabilidade do fim (seja ele de que forma for) gera imensas situações inusitadas e reviravoltas que nos deixam a pensar muito além do término dos contos. Algumas das histórias, inclusive, acabam por ter camadas adicionais na interpretação desse tal fim, especialmente quando se fala de luto, racismo e moral humana, o que nos obriga, por vezes, a relê-los, para podermos absorver todo o seu significado.
Como em todas as coletâneas, gostei mais de alguns contos do que de outros, maioritariamente pelo seu significado ou pela abordagem fora do comum ao tópico, mas é inegável que a voz do Nuno é marcante, ainda que os contos consigam ter um cunho pessoal que os torna distintos uns dos outros.
Os meus contos favoritos foram «Travessura», «Um Homem Novo», «Devolvidos», «In Memoriam», «Espectros — Madame Koi Koi», «Jorge», «A Fábrica de Bonecas», «Um Prato Frio», «Consentimento», «A Frigideira», «A Oliveira e a Espada» e «Total Victory», este último que me encheu de tal maneira as medidas que gostaria de deixar aqui uma petição formal ao Nuno para transformar isto numa trilogia distópica (sim, eu sou grande fã de Hunger Games, e depois?!). Receio que não vá dar em muito, mas não custa tentar. De realçar que «Palhaço Triste» me perturbou bastante, e em nada teve a ver com o palhaço.
Ainda que ache importante recordar que, como obra de terror, este livro aborda diversos assuntos que poderão ser gatilhos para os leitores, não tenho qualquer pudor em recomendar …e, felizmente, não viveram para sempre, pois é uma obra sólida e bem desenvolvida, com algo para todos os gostos, e que expande conceitos muitas vezes dados como adquiridos.
Além de se ler bem, é uma obra que inspira à criatividade, algo não muito comum nos tempos que correm, e que nos faz cogitar sobre a mortalidade das coisas e das vidas, bem como a forma como isso se traduz para cada um de nós.
Poderão comprar o vosso exemplar na loja online da Fábrica do Terror.
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Laura Silva
Apaixonada por histórias desde 1992, é escritora nas horas vagas e pasteleira aos fins-de-semana. O gosto pela leitura deu muito jeito para a licenciatura em Direito, mas agora é constantemente abordada por amigos e familiares para consultoria jurídica gratuita. Extremamente traumatizada em criança pelo Cadeirudo, acabou por aprender a gostar de todas as facetas da ficção especulativa, que hoje se revela o seu género favorito.






