O Monstro Vive: o Encontro Drácula 125
Eram 17h e era já noite cerrada. Cenário perfeito para um fim de tarde vampírico.
Ao subir as escadas da Biblioteca Nacional de Lisboa e trespassar as portas do Auditório, fiquei satisfeita por ver que o Encontro tinha atraído vários entusiastas, não somente académicos.
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16.50 € (com IVA)2022 é um ano especial para a criatura de Bram Stoker, sendo que se celebra os 125 anos da publicação de Dracula (1897). Além disso, celebra-se o centenário de Nosferatu: Eine Symphonie de Grauens (1922), de F. W. Murnau, considerada a primeira adaptação da obra de Stoker ao grande ecrã, ainda que seja não autorizada, e os 30 anos do filme Bram Stoker’s Dracula (1992), de Francis Ford Coppola.
Assim, o Centre for English, Translation, and Anglo-Portuguese Studies (CETAPS/NOVA FCSH) e o Centro de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CEAUL/ULICES) juntaram-se para organizar um encontro dedicado a estas efemérides. E não só: através das intervenções dos oradores convidados, procurou-se suscitar reflexões acerca da simbologia do vampiro e do monstro.
Adelaide Meira Serras e Carlos Ceia deram início ao encontro congratulando a iniciativa de celebrar Drácula. Sublinharam a mobilidade da figura de Drácula, que viaja por entre media e públicos variados, e o fascínio que os monstros provocam no ser humano.
Adelaide Meira Serras e Carlos Ceia deram início ao encontro congratulando a iniciativa de celebrar Drácula. Sublinharam a mobilidade da figura de Drácula, que viaja por entre media e públicos variados, e o fascínio que os monstros provocam no ser humano.
O «Fragmento» (1816) de Lord Byron (sobre vampiros) que Polidori vampirizou, Rogério Miguel Puga (CETAPS, NOVA FCSH)
Rogério Miguel Puga levou o público numa viagem ao «Fragmento» (1816) de Lord Byron, e às origens de The Vampyre (1819) do Dr. John William Polidori. O seu entusiasmo era contagiante e permeou todo o seu discurso, que transportou o público para as origens do mito do vampiro no Leste Europeu. Contou, ainda, como Byron e Polidori deslocaram esse mito para o contexto inglês, criando um género gótico «de cariz orientalista» ou então um «orientalismo assustadoramente gótico».
Partilhando o seu extenso conhecimento do contexto destas obras, dos seus autores e outras peripécias, a intervenção de Rogério Miguel Puga foi uma excelente introdução ao vampiro, ou, nas palavras do professor, essa «figura ambígua, que simultaneamente nos atrai e repugna».
Misticismo e o Vampiro: A Experiência Mística Como Obtenção de Consciência Sexual e Sociocultural em Textos Irlandeses e Britânicos Oitocentistas, Jéssica Bispo (CETAPS, NOVA FCSH)
Jéssica Bispo foi a segunda oradora a estrear-se neste palco vampírico. A noite adensava-se cada vez mais. Bispo apresentou duas questões: a da experiência mística e a da sexualidade. Não se cinge a Dracula, recordando também o poema de Samuel Taylor Coleridge, «Christabel» (1816), e a novela de Joseph Sheridan Le Fanu, Carmilla (1872), que retraram relações íntimas entre a figura vampírica e a sua vítima.
A experiência mística provocada por relações proibidas retratadas nestas três obras foi explorada de forma muito interessante por Jéssica Bispo, que considera que o vampiro incita o questionamento da ordem social e política que rodeia as suas vítimas, podendo simbolizar, por isso, um despertar.
Decerto o público ficou, também, mais desperto.
«There is much to be learned from beasts»: três ideias sobre o mal, Ana Daniela Coelho e José Duarte (CEAUL, ULisboa)
Ana Daniela Coelho e José Duarte juntaram-se numa apresentação que propôs transportar o vampiro de Stoker e as suas adaptações para a contemporaneidade, mais precisamente, para o contexto da pandemia da COVID-19. Lembraram como o vampiro tem sido associado à doença desde a época vitoriana, sendo o vampirismo visto, em Dracula, como uma infeção. Nesta época, a doença era entendida como a manifestação da corrupção da sociedade.
Tanto Nosferatu quanto Bram Stoker’s Dracula retomam a ideia da doença aliada ao vampirismo. Veja-se a peste que assola a cidade de Wisborg no filme de Murnau, num eco da gripe espanhola, e como, segundo a opinião de um crítico de The New York Times, o filme de Coppola aborda as ansiedades suscitadas pelo vírus da SIDA em relação ao contacto com o sangue.
No entanto, Coelho e Duarte ressalvam que, na última cena de Bram Stoker’s Dracula, o sangue deixa de ser apenas prenúncio da morte e passa a ser símbolo de vida e do amor, constituindo uma interpretação de Dracula que não se centra no horror da figura do vampiro.
Comparando as diferentes representações do vampiro de Stoker, Ana Daniela Coelho e José Duarte promoveram uma discussão muito pertinente sobre um tópico que denuncia a atualidade deste monstro. De facto, a metáfora do vampiro adapta-se perfeitamente a uma época assolada pelo medo de uma doença tão difícil de controlar, mas que é capaz de controlar as nossas vidas.
Ecos de um Vampiro: A importância de Dracula na atualidade, Cátia Marques (CEAUL, ULisboa)
Cátia Marques finalizou o encontro com uma reflexão sobre os ecos de Dracula na atualidade. De facto, tal como a intervenção anterior o sugeriu, o vampiro é um monstro extremamente atual.
Marques guiou o público pelas origens da figura de Drácula, desde a pessoa verídica, Vlad Tepes, à personagem de Stoker. Falou apaixonadamente, cativando os ouvintes, acerca das várias vidas do vampiro desde Stoker, passando por Murnau e Coppola, por Anne Rice, Stephenie Meyer, Stephen King e até o nosso Filipe Melo.
Porquê esta insistência no vampiro? Segundo Cátia Marques, o vampiro, enquanto monstro, revela as nossas ansiedades, os nossos medos, os nossos «Outros». Não perdeu a sua relevância porque esses medos não desaparecem: estão em constante mutação.
Esta abordagem panorâmica à temática do vampiro foi uma fantástica chave de ouro que mostrou ao público a persistência desta figura no imaginário cultural e a razão pela qual ainda é significativa.
Com todos estes testemunhos valiosos, diferentes nas suas abordagens, mas semelhantes na paixão com que foram abordados, o serão terminou com um breve debate aberto ao público, com grande adesão, o que revela o interesse que Dracula e o vampiro continuam a suscitar. De facto, e servindo-me das palavras de Cátia Marques, «os vampiros continuam entre nós» e uma sala composta em noite de jogo da seleção nacional no Mundial de Futebol provou isso mesmo.
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Patrícia Sá
Patrícia Sá nasceu em 1999. Desde muito cedo que encontrou um refúgio na escrita e estreou-se como autora em 2021, com o conto «Amor», na antologia «Sangue Novo». Interessa-se especialmente pelo estudo da monstruosidade na literatura, nas artes e na cultura. Está determinada a provar que o terror é um género sólido. A arma dela? Resmas de livros teóricos sobre o assunto. Sublinhados. E com «post-its».