Um dos 15 autores da antologia Sangue Novo confessa-nos que tem «de tirar os romances da gaveta»

Fã de terror desde criança, foi o amor à primeira vista por um livro de Enid Blyton que despertou o escritor Cláudio André Redondo para a escrita. O seu conto «Pestinhas», incluído na antologia Sangue Novo, marca a sua estreia como autor publicado de terror em português.

Tem vários projetos «na gaveta», incluindo um romance de fantasia em estado avançado e uma ideia para um videojogo de terror em português, e assume-se como um perfecionista em recuperação que já não sente (tanto) a necessidade de reescrever o mesmo parágrafo dezenas de vezes.

Nesta entrevista, fala-nos do seu amor antigo pelo terror em todos os seus formatos, de como desenvolveu e melhorou a escrita de textos no seu género favorito, e do seu processo criativo, que passa por sentir a pressão dos prazos.

 

***

 

Na apresentação do Sangue Novo, disseste que começaste a escrever aos oito anos. Já escrevias terror com essa idade?

Com oito anos, tive de ler o meu primeiro livro como trabalho de casa para a escola, e [isso] coincidiu com a primeira vez que fui a uma biblioteca. Adorei a experiência de estar lá dentro. Como já era fã de terror, fui à procura do livro mais chamativo dentro do género, e o que encontrei foi Os Cinco nos Rochedos do Demónio. [Claro] que não tinha nada a ver com terror, mas tinha «demónio» no título. Ainda assim, adorei o livro. Lembro-me de estar a ler e a imaginar as cenas todas, a viver [aquilo]. Ainda hoje me lembro das sensações todas, do cheiro, das imagens visuais todas que criei na minha cabeça, e fiquei apaixonado por livros. Foi mesmo amor à primeira vista. Na mesma altura, fiquei a saber que o meu melhor amigo tinha começado a escrever histórias, e eu [segui-o] e comecei a escrever as minhas também. Mas as minhas eram muito aldrabadas! Apontava os títulos dos capítulos de que mais gostava dos livros que tinha em casa, copiava os parágrafos de que mais gostava e depois adaptava-os às minhas histórias. Ou seja, era mais [uma espécie de] plágio do que [escrita].

 

E quando é que começas a escrever histórias originais?

Mais tarde, por volta da adolescência, e a maioria eram no género da fantasia. Sempre tentei escrever terror, mas não conseguia.

 

Mas, nessa altura, já eras fã de terror?

Sim! Lia terror, [via] filmes, [jogava] jogos. Tudo! O primeiro filme de terror penso que terá sido o Pesadelo em Elm Street. Acho que, com oito anos, já tinha visto toda [a série]. A minha mãe e o meu pai também gostavam [do género] e nunca me impediram de ver filmes de terror. Os primeiros livros terão sido os do R. L. Stine, provavelmente os da Fear Street. Babysitter é outra série de livros dele que também adoro.

 

Dizes que só conseguiste começar a escrever terror com o curso [do Pedro Lucas Martins] na Escrever Escrever. 

Sim. Eu tentava, e tentei várias vezes, mas nunca gostava do resultado. Era tudo forçado e, depois de fazer o curso, percebi porquê. Estava a tentar meter medo, mas sem ir ao fundo, sem que isso viesse cá de dentro. Ou seja, eu queria escrever uma coisa assustadora, mas sem pôr-me no lado de quem está a ser assustado. E depois do curso, consegui fazer isso e tudo mudou completamente.

 

E depois, vem o convite para integrares a antologia Sangue Novo. Aceitaste logo?

Sim, disse logo «porque não?».

 

Disseste na apresentação do livro que o «Pestinhas» ainda não estava como tu querias. O que é que mudavas?

Era simplesmente uma mudança na última frase.

 

Mas mudava o desfecho do conto?

Não. Durante muitos anos, o meu problema era o não conseguir avançar na escrita precisamente por causa disso. Eu escrevia, por exemplo, dez páginas num dia. No dia a seguir, ia rever a última  página e, de repente, achava que não estava bem. Então, relia o texto todo, achava que nada estava bem e começava a reescrever. Ficava ali naquele loop eterno de reescritas até que chegava a um ponto em que deixava de acreditar na história, achava que dali não ia sair nada de bom e acabava por desistir. Atualmente, já não funciono assim.

 

E com a distância do tempo, consegues reler o mesmo texto e tentar aproveitar alguma coisa?

Acho que sim, mas muitas das histórias ficaram marcadas por aquela frustração de não conseguir avançar. Eu tenho dezenas de livros iniciados que ficaram parados porque entrava nesse loop e não conseguia sair. Só recentemente é que comecei a conseguir combater [isso] e sigo em frente com a primeira versão. Só revejo no final. Já não escrevo 39 versões do mesmo capítulo.

 

Imagina que o convite para a antologia não tinha acontecido. Depois do curso, sentiste-te com vontade de publicar os teus textos?

Sim, porque, depois do curso, senti-me muito mais à vontade para escrever terror, mesmo que escrevesse outros géneros em paralelo [como a fantasia, por exemplo]. As oficinas do Teias [de Aranha] também me obrigam a [continuar a] escrever terror.

 

Para além de te obrigarem a escrever, nas oficinas também recebes retorno imediato de outros escritores e fãs do género. Como é partilhar os teus textos? Sentes receio em partilhar algo que pode estar inacabado?

Não, porque só trabalho bem em cima do prazo. A maioria dos textos que eu levei ao Teias foi escrita uma hora antes da sessão!

 

Como é que te surgem as ideias, então?

É a pressão! Tem de surgir alguma coisa. Normalmente, vou fazer alguma coisa que não me obrigue a pensar, como ir passear o cão, e é quando me surge a ideia do que quero escrever. O «Pestinhas» [que está incluído na antologia Sangue Novo] foi um daqueles textos que eu escrevi uma hora antes do Teias.

 

Vais continuar a escrever e a publicar depois da tua estreia no Sangue Novo?

Tive uma ideia interessante para publicar uma coletânea de contos em nome próprio e comecei a escrever isso. [E para além disso gostava] de voltar a dedicar algum tempo aos videojogos. Tenho alguns projetos parados, alguns deles de terror, e seria interessante de dar-lhes seguimento. E tenho de tirar os romances da gaveta.