«O Pacto»

Romance de estreia do autor Nuno Gonçalves.

Editada pela Divergência, foi a obra vencedora do Prémio António de Macedo em 2022.

Sandra Henriques

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Sei que este livro foi escrito em 30 dias e o manuscrito foi enviado nas últimas horas do final do prazo de submissão (não é mito de marketing; é um facto muitas vezes contado pelo autor). Claro que o seu planeamento começou muito antes. Não se iludam os aspirantes a autores publicados que a escrita de um romance só começa na folha em branco. Isto, também, para justificar que o autor Nuno Gonçalves não apressou a escrita (e nota-se), nem foi visitado pelas musas que lhe aliviaram o fardo da tarefa. À data de escrita deste artigo, O Pacto já vai na sua 2.ª edição.

Os pactos (com o Diabo sobretudo) não são novidade na ficção, e aquilo que o Nuno faz, e bem, nesta sua versão é retirar o peso da maldade ao velho com ar duvidoso que se senta ao lado do Doutor Amadeu num banco de jardim, numa altura sem esperança e particularmente difícil da sua vida: «tenho esta proposta para ti, mas és tu que decides o que dás em troca» (ou como, talvez seja melhor como). Sim, dei por mim a simpatizar com este Diabo.

Na realidade, é a mulher de Amadeu, Marília, que está em sofrimento, e não ele. E o oncologista pediátrico, imbuído de um sentimento de puro altruísmo (achamos nós) e de amor por ela (achamos nós), aceita o poder de salvar vidas em troca de entregar umas quantas almas (descartáveis, para lá do prazo de validade) ao Diabo. Até aqui, um mar de rosas (da perspetiva dos pactos com seres sobrenaturais).

Não posso alongar-me muito mais sobre O Pacto sem vos revelar o enredo e os volte-face. Posso dizer-vos que as personagens principais têm nomes banais (Amadeu, Marília, Susana) porque é no nunca desconfiar do vizinho do lado que está o verdadeiro horror. E que a escrita do Nuno é, como sempre, muito pensada e racional, no sentido em que ele sabe muito bem que efeito quer provocar no leitor e como fazê-lo. Não que seja uma escrita mecânica e desenhada para caber num certo molde.

Mas este livro não seria um livro de Nuno Gonçalves se não tivesse a chapada seca do confronto das personagens (e do leitor) com a realidade (muito mais estranha do que a ficção) e as gotas de humor negro que, mais do que nos aliviar das passagens murro-no-estômago, nos fazem questionar se deveríamos estar a rir, mesmo que interiormente, daquela situação. Estas duas coisas são inevitáveis na escrita de Nuno Gonçalves e, afirmo sem reservas, fazem parte da sua assinatura de autor.