Visita ao Palácio do Beau-Séjour (Lisboa)
Fui conhecer este palácio e porquê? Porque se diz por aí que está assombrado.
Claro que fui de dia, também porque, graças ao Senhor, não existem visitas noturnas (isto não é um pedido, nem estou a lançar ideias).
Começo por vos dizer que não me cruzei com nenhuma alma penada. Quer dizer, estavam lá outras pessoas, mas não me cheguei perto o suficiente para confirmar (prefiro uma boa dúvida do que uma certeza absoluta, pelo menos neste contexto).
Quando abri a porta para entrar no palácio, ela rangeu, e eu pensei para mim: olha, tu queres ver… Felizmente, este pensamento ficou sossegado, porque fui muito bem acolhida e encaminhada. Não posso confirmar qualquer atividade paranormal, até porque é ramo ao qual não me dedico, mas fiquem certos de que é um local especial. Sabem quando entram num sítio e percebem que aconteceram ali muitas coisas? É como se todas as vivências estivessem entranhadas nas paredes. Acho que é a melhor descrição que posso fazer.
E agora, vamos lá então conhecer só um bocadinho da história do local. A Quinta do Beau-Séjour, antiga Quinta das Loureiras, foi adquirida em 1849 pela Viscondessa da Regaleira, D. Ermelinda Allen Monteiro de Almeida. A alteração do nome para Beau-Séjour, que em português significa «boa estadia», poderá ter sido apenas um upgrade, ou então já existia alguma ironia que seria colocada em prática após a morte (alerta boato).
Em 1859, a propriedade foi vendida ao Barão da Glória, António José Leite Guimarães, e herdada posteriormente pelos sobrinhos Maria da Glória Leite e José Leite Guimarães, que impulsionaram as campanhas de decoração de interiores. Sob a coordenação de Francisco Vilaça, entre 1887 e 1892, o palácio foi decorado com obras de alguns artistas, tais como os irmãos Bordalo Pinheiro.
Em destaque, o Salão Dourado, com a tela em trompe l’oeil de Columbano, a Sala de Música e a Galeria, com estuques e pinturas de Vilaça, o painel e o candeeiro da Sala de Jantar em cerâmica relevada, ambos da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro (extraordinariamente bonitos e com muito pormenor, sendo que o painel foi o verdadeiro terror para mim, por ter animais mortos representados — e sim, já sei que é só cerâmica, mas cada um tem os seus problemas), os vitrais com motivos vegetalistas de Maria Augusta Bordalo Pinheiro e as composições dos parquets de madeira do marceneiro João Baptista Collomb.
O jardim envolve o palácio e dá-lhe um toque misterioso. Tem um lago com coreto e uma ponte levadiça. No que se refere à flora, tem espécies como a araucária, a figueira-da-Austrália, a eritrina, a árvore-do-fogo, a sequoia, o jacarandá e o castanheiro-da-Índia. Vale a pena sentarem-se nos bancos e contemplarem-no, quem sabe o que os vossos olhos e ouvidos podem captar?
Esta quinta ficou também conhecida como a Quinta das Campainhas. Mais tarde, foi vendida pela família Dias de Almeida à Congregação dos Irmãos Maristas e, atualmente, o palácio e o jardim estão na posse da Câmara Municipal de Lisboa, sendo o edifício ocupado pelo Gabinete de Estudos Olisiponenses (serviço municipal que se dedica ao estudo de Lisboa).
No livro Lisboa Desconhecida & Insólita (2017, Porto Editora), do historiador Anísio Franco, ficamos a conhecer alguns dos relatos de situações incomuns ocorridas neste palacete. Ao que parece, os antigos proprietários — a Viscondessa da Regaleira e o Barão da Glória — ainda não abandonaram o imóvel e, considerando a crise na habitação, também não me parece que o vão fazer. Além de não pagarem a renda, diz-se que livros e caixas de documentos desaparecem e tornam depois a aparecer no mesmo local. Pronto, é chato para os colaboradores, mas temos de valorizar o cuidado de voltar a colocar tudo no mesmo sítio. Na verdade, isto acontece muito na minha casa, e eu achava que era distraída, mas, assim sendo, acabo de descobrir que tenho inquilinos. Acho que aqui podemos aplicar a máxima de «a culpa é minha, eu meto em quem quiser». Diz-se também que se ouvem os sinos de vidro da pérgula do jardim, apesar de já não se encontrarem lá. Neste caso, acho que o melhor é voltarem a colocar os sinos, porque assim uma pessoa pode sempre culpar o vento. Por fim, conta-se ainda que um(a) funcionário/a ouviu a campainha tocar três vezes e, nas três vezes que foi à porta, não estava lá ninguém. Achou então oportuno perguntar quem era, e diz ter ouvido uma voz forte que respondeu «o Barão da Glória» e outra, mais delicada, que se fez anunciar como a Viscondessa da Regaleira. Perante isto, o/a funcionário/a fugiu e nunca mais regressou (aposto que era segunda-feira). Primeiro, se não queria saber quem era, o melhor era não ter perguntado. Segundo, já ouvi desculpas mais estruturadas para fugir do local de trabalho (vontade transversal ao longo dos tempos). Eu sou da equipa que iria culpabilizar a campainha e chamaria um técnico para a arranjar.
Este livro tem outras histórias curiosas, portanto aconselho a leitura.
A título de curiosidade, quando fiz a visita, estava a decorrer no palácio a exposição «Lisboa na Época Moderna: Quotidianos, Artes e Ofícios». Gostei de saber que reconheciam a profissão de quadrilheiro. Ainda hoje, temos muitas pessoas a exercer (e é neste momento que a nossa tia descobre que só nasceu na época errada), mas agora em regime de voluntariado. No que se refere à ordem e delito, os conflitos entre mulheres são destacados (não vamos julgar).
Se tiverem curiosidade, visitem este espaço. Acredito que vos vai fazer viajar no tempo. Fica na Estrada de Benfica 368, 1500-100 Lisboa. Funciona de segunda-feira a sábado, das 10 h às 17 h. É gratuito — e só têm de fazer marcação se quiserem visita guiada.
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Liliana Duarte Pereira
Liliana Duarte Pereira, nascida a 30 de junho de 1986, é licenciada em Política Social através do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Sempre quis preparar os mortos para os seus funerais, mas não vingou. Tem fobia a pessoas falecidas e a portas entreabertas. Gosta de animais, de fazer doces, de rir de coisas mórbidas e de escrever.
Integrou as antologias «Sangue Novo» (2021), «Rua Bruxedo» (2022) e «Sangue» (2022). Venceu o Prémio Adamastor de Ficção Fantástica em Conto (2022) com «O Manicómio das Mães», da antologia «Sangue Novo».