«Wrap-up» MOTELX 2025

Colheita final: 51 filmes, 2 entrevistas, 2 eventos, 1 falha, bruxas (?).

A caminho das duas décadas de existência, o festival continua a surpreender o seu público.

Há sempre algo que não corre como planeado no «nosso» MOTELX: para memória futura, em 2025, esquecemo-nos de comprar bilhetes para a sessão de abertura e, quando nos lembrámos, já não fomos a tempo. São vidas!

Para equilibrar, entrevistámos a Gale Anne Hurd e a Heidi Honeycutt (em breve, na nossa página), lançámos a antologia Os Melhores Contos da Fábrica do Terror – Vol. 3 e a editora-chefe moderou uma conversa sobre literatura de terror (é literatura; deixem-nos em paz) com os autores Mafalda Santos, João Zamith e Fábio Ventura.

Não vamos dizer com quantas bruxas nos cruzámos (para o patriarcado, e tendo em conta a conjuntura atual, deve ser dois terços do público do MOTELX).

Ao serviço da Fábrica do Terror, estiveram Laura Silva, Madalena Santos, Maria Varanda, Marta Nazaré e Sandra Henriques.

Cinema português: envelhece bem e recomenda-se

Sombras (de Jorge Cramez) explora a forma como os nossos maiores monstros são aqueles que escondemos dos outros, ao mesmo tempo que aborda uma ideia imposta de maternidade.

Pessoalmente, gostaria que o final tivesse sido desenvolvido de forma diferente, mas não posso negar que o mesmo dá alguma força à narrativa. Não é um filme de conclusões, mas é eficaz ao questionar pressões sociais e como o equilíbrio das relações pode ser muito frágil quando todas as condições se reúnem. O elenco, bastante pequeno, faz excelentes interpretações, e a componente visual está muito bem explorada.

A Pianista (Nuno Bernardo), em antestreia nacional perante um público exigente, tem arestas de edição por limar — há saltos na narrativa que parecem after thoughts ou erros não corrigidos e que nos deixam com uma sensação de red herring desonesto e preguiçoso em relação ao final. A história previsível foi salva pela interpretação de Teresa Tavares no papel da protagonista, Ana Torres.

Aos 36 anos, A Maldição de Marialva (António de Macedo) envelheceu como um bom vinho. O filme, baseado na história da Dama Pé de Cabra, com Lídia Franco e Carlos Daniel no elenco, foi filmado na vila com o mesmo nome, em Mêda, e estreou na televisão portuguesa em 1990. É um privilégio (re)vê-la no grande ecrã a que tem direito (obrigada, MOTELX).

As 21 curtas portuguesas — 12 a competir pelo Prémio de Melhor Curta de Terror Portuguesa e 9 pelo Prémio Méliès d’argent – Melhor Curta Europeia 2025 —, mesmo não agradando a todos, são sempre um sinal de esperança nas possibilidades do cinema de género português. Puxamos a brasa à nossa sardinha celebrando as vitórias de dois membros da família da Fábrica do Terror: Afonso Lucas, correalizador da Melhor Curta de Terror Portuguesa 2025, O Compositor, e Maurício Valentino Borges, vencedor do Prémio Betclic Monster Odds MOTELX, com o guião O Clube de Tricô das Quartas.

A secção Sala de Culto deste ano trouxe a estreia (continental) do filme madeirense Crendices. A longa-metragem, escrita e realizada pelo grupo de comédia 4Litro, prova que é possível fazer cinema com sotaque sem medos. Fazemos votos de um destino semelhante ao do outro filme com sotaque que inaugurou esta secção em 2024 — O Velho e a Espada tem estreia nos cinemas portugueses a 23 de outubro de 2025.

De fora para dentro: os destaques do cinema estrangeiro

Don’t Leave the Kids Alone (No Dejes a los Niños Solos), um filme mexicano, de Emilio Pontes, conta a história de uma viúva que adquiriu uma vivenda com passado e deixa os seus dois filhos sozinhos por uma noite. Sobre os riscos de comprar casas extraordinárias a preços anormalmente baixos, No Dejes a los Niños Solos foi colocado no menu «extraforte» do MOTELX e, apesar de poder não ser assim tão extra, concordamos com a colocação, considerando a paleta de sabores deste ano. Com momentos inquietantes muito bem colocados, a película consegue manter o espectador colado ao ecrã e deixá-lo surpreso com os desenvolvimentos e as reviravoltas.
Hold the Fort, uma comédia de terror norte-americana, foi a desilusão do operário da Fábrica do Terror destacado para ver o filme. Desde os sustos aos risos, Hold The Fort falha em surpreender e entretém apenas pelo ridículo que dá mau nome aos filmes de categoria B. 

Do Canadá, a longa-metragem Honey Bunch é uma mistura de thriller, ficção científica e terror que acompanha um casal e um tratamento experimental para a amnésia traumática. Com um ambiente que faz lembrar simultaneamente MEN e A Cure for Wellness, tem uma reviravolta imprevisível que liga todos os géneros.

Tínhamos mais expectativas para Karmadonna do que o que o filme realmente oferece. O realizador é Aleksandar Radivojevic, do polémico Serbian Film, mas desta vez o cineasta traz-nos a história de uma mulher grávida, ameaçada por telefone, que deve assassinar um conjunto de pessoas de forma a salvar o seu filho por nascer. Com uma crítica bem merecida à sociedade, o filme falha em encantar (ou aterrorizar) e o enredo torna-se confuso e mal concebido, com as linhas da sua tecelagem a deixarem buracos e formas incompreensíveis na extremamente longa tapeçaria de 1 h 58.

Salvando a lista de comédias negras desta edição, Freaky Tales (2024) conta com Pedro Pascal e só isso foi suficiente para encher a sala Manoel de Oliveira. Em horário nobre e sessão única, os espectadores puderam deliciar-se com esta comédia de terror de quatro capítulos, onde os diversos contos se unem como diferentes perspetivas da mesma história.

Um remake criativo do original de 1984, Toxic Avenger passou na sala Manoel de Oliveira em sessão dupla da meia-noite e encheu a sala. Com Peter Dinklage, Elijah Wood e Kevin Bacon, a longa-metragem acompanha Winston Gooze no azarado e químico acidente enquanto tenta encontrar uma forma de viver. Relembrando o original no estilo fiel com que retrata o anti-herói tóxico, Toxic Avenger conseguiu encher a sala de risadas enquanto abordava temáticas de extrema importância.

Baseado no livro de Ana Paula Maia, Enterre Seus Mortos foi adaptado e realizado por Marco Dutra no formato de «longa-longa» metragem (2 h 08). Este não é para todos os gostos. Com muita violência animal, valor de choque e temáticas mistas, Enterre Seus Mortos dividiu os operários presentes na sessão e, quem sabe, todos os outros espectadores. O filme mistura um ambiente pré-apocalíptico, temáticas sociais, ambientais, ficção científica, terror corporal e terror social, tudo num misto interessante, ainda que por vezes algo confuso.

A sessão de encerramento presenteou os amantes do festival com o filme The Home, de James DeMonaco — não confundir com o filme sueco com o mesmo nome e que também passou no festival. Esta longa norte-americana conta com o comediante Pete Davidson, que se estreou no terror (e no MOTELX) com o crowd pleaser Bodies, Bodies, Bodies (2022). Com os dois terços iniciais do filme a serem bastante promissores, o filme torna-se o descalabro com o revelar da reviravolta. A cena de encerramento do filme é a vingança da geração Z sobre os boomers (temos uma opinião interessante sobre esta vingança [egoísta]) com imenso gore à mistura. O filme tenta jogar com a ideia da senescência, mas não consegue criar nenhuma sensação de compaixão ou empatia, ainda para mais com a cena final. Bom orçamento, mas a ideia já ia mal desde o início.

Lobo Mau: filmes muito bons em salas quase vazias 

Este ano [2025], pela primeira vez, os Sustos Curtos M/10 representaram os «medos preferidos» do público infantil galego, na secção Pequefreak, do Galician Freaky Film Festival, dedicado ao cinema freak e underground.

Foi uma seleção bem conseguida de sustos, infelizmente exibidos para uma sala bastante vazia. Os poucos que se aventuraram a percorrer vários mundos encontraram objetos, jogos e transgressões que se revelaram demasiado perigosos, e é realmente tão fácil deixarmo-nos seduzir.

Nos sonhos bizarros de Ava — na animação francesa 3 Murs & Un Toit (2020) —, fomos, como Alice no País das Maravilhas, atrás de um rato de corda por portas pouco recomendadas.

Depois, acompanhámos Lottie, uma menina de nove anos, num jogo peculiar ligado à casa de bonecas que encontrou, na animação francesa Spot The Differences (2023). Sendo as regras tão rígidas, tentar encontrar as diferenças entre a casa de Lottie e a casa das bonecas já se previa difícil, mas um final repetido no género do terror infantojuvenil penalizou esta história que nos tinha previamente conquistado com os seus corredores escuros e reflexos perturbadores no espelho.

Blind Eye (2019) mostrou-nos que é preciso contrariar convenções e questionar tradições antigas, pois não queremos fazer parte de uma tribo que condena os nossos entes queridos ao sacrifício, sem credibilidade ou lógica. No fim, nem tudo é o que parece, e o mundo é realmente muito maior do que inicialmente percecionámos.

Uma descida ao Submundo complementou muito bem este conjunto de universos do medo. No francês Hellscape (2022), uma guerreira corajosa está determinada a resgatar o seu mentor do Inferno, um pouco como Orfeu para salvar a sua amada Eurídice, mas este Submundo não é assim tão terrível, e Cérbero até é um cão bastante dócil. Podíamos considerar esta curta a mais fofinha do lote, se não rivalizasse com a espanhola Operation Frankenstein (2022). Os três irmãos não são os primeiros no género do terror a querer criar o seu próprio Frankenstein, mas o humor desta história encantou todos na sala. Tudo começou com um torso de manequim encontrado no lixo e, a partir daí, somos surpreendidos pelos lugares inusitados onde os irmãos encontram «as peças» em falta e pelo final engraçado e imaginativo.

O espanhol Dennis (2023) veio reforçar este casamento do terror com a comédia, já muito presente nos sustos para os mais novos. Dennis é apenas um funcionário na Fábrica do Mal, no Inferno, mas quer tanto a atenção e aprovação do seu superior que o tiro lhe sai pela culatra, num final muito pouco digno de um demónio. É o terror corporativo no seu melhor.

Do Inferno, damos um saltinho ao pós-apocalipse de Apocalypse Dog (2022), em que um cão (também fofinho) e o seu dono vagueiam pelo deserto, famintos e cansados, quando avistam uma cidade ao longe. Assim que o cãozinho sente o cheiro de comida deliciosa no meio de nenhures, vem-nos logo à lembrança patranhas de outras histórias. Pensávamos que o monstro seria o fim das duas personagens. Pensámos mal.

Como o prometido é devido, os principiantes não saíram desta sessão de sustos sem serem vítimas dos jumpscares do britânico The Smiling Portrait (2017). Tal como a comida no meio do deserto, há que desconfiar se encontrarmos um retrato esquecido quando estivermos sozinhos a fechar o bar. O melhor mesmo é não morder o isco e arrepiar caminho. Esta pode ter sido a única curta do conjunto que não era de animação, mas não deixou de se destacar pela belíssima caracterização da rapariga sorridente.

Já na sessão de Sustos Curtos M/6, que teve lugar na Cinemateca Portuguesa, viram-se várias famílias e crianças, o que não é costume, especialmente por ser raro passarem estas sessões ao sábado à tarde, como aconteceu este ano. Pelo terceiro ano consecutivo, a sessão inicia com a curta Os Nossos Medos, produzida no âmbito do projeto CoolBrave, que desafia um grupo de jovens a falar sobre os seus medos. Os jovens tiveram a oportunidade de ver ilustrações dos seus medos, feitas por eles, a ganhar vida no ecrã e a serem animadas.
Seguiram-se curtas de vários países que nos levaram para mundos muito diferentes e únicos. Surgiram temas relacionados com a importância da diferença (A Guest From Elsewhere, The Path of Sounds) e da entreajuda (The Legend of the Hummingbird, A Walk into the Afterlife, Nube, The Scariest Skeleton), bem como curtas que fizeram a sala encher-se de risos (The Great Annual Party of the Creatures of the Moon, Pippo, a Pulga).

The Legend of the Hummingbird foi a escolhida para o Prémio Lobo Mau, uma curta que, tal como o júri mencionou, espelha várias preocupações muito atuais e reais — como a desflorestação e os incêndios florestais —, mas se centra no poder que um gesto tem, por mais pequeno que seja, e na força que se mostra ao ser-se o primeiro a avançar e a ajudar o outro.
O júri deu uma Menção Honrosa a Nube, por simbolizar o amor entre pais e filhos de uma forma tão original e única, mas também muito simples.

Nas longas-metragens do Lobo Mau, a estreia nacional de Night of the Zoopocalypse (2025) chamou várias crianças à sala Manoel de Oliveira. Baseado num conceito do escritor de terror Clive Barker, este cataclismo ganha vida no Jardim Zoológico de Colepepper, no qual o dia a dia dos animais residentes é sempre o mesmo, enfadonho e previsível. Pouco habituados a grandes aventuras e sem conhecimentos de sobrevivência, os animais têm de encontrar uma forma de sobreviver ao vírus que veio à boleia de um meteorito e começa a transformar os animais em mutantes mortos-vivos. A salvação está nos instintos da selva do puma Dan, na proatividade da loba Gracie e nos conhecimentos de filmes de terror do lémure Xavier. Juntamente com outros animais mais destemidos, vão tentar reverter a situação, salvando o lugar onde moram. As lutas e perseguições estendem-se para lá do recomendado, e o argumento pode já não ser novidade, mas os clichês do terror clássico são abordados de uma forma divertida e leve. Os pontos fortes desta longa-metragem estão nas cores vivas, na banda sonora, nas cenas de terror corporal a lembrar A Coisa e nas tiradas humorísticas das personagens.

Vemo-nos no 20.º MOTELX: de 8 a 14 de setembro de 2026, no Cinema São Jorge.

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Fábrica do Terror

Portal de informação sobre o terror feito em Portugal.

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