2 de novembro: Dia de Finados

Ou Dia dos Fiéis Defuntos

Baralha um bocadinho, não é?
Como se fosse opcional ser ou não fiel à morte. Deve ser por isso que as almas penadas tentam fugir. Algumas, tentam muito. 

Liliana Duarte Pereira

O nosso livro está à venda!

Então, vamos começar pelo início. No feriado do dia 1 de novembro, é comemorada a festa do dia de Todos-os-Santos, em homenagem a todos os santos e mártires. No dia seguinte, 2 de novembro, celebramos o Dia dos Finados, mas, como não é feriado, acabamos por juntar as festas.


Somos um povo simples, bom a gerir o tempo e os recursos. Agarramos em nós e abalamo-nos aos cemitérios para homenagear os falecidos que, à partida, estiveram ali parados o ano inteiro. As campas são lavadas até brilharem e depois enfeitadas com as flores mais bonitas ou mais baratas, dependendo do orçamento. São acesas velas envoltas em plástico vermelho que têm a função de alumiar as alminhas, não vá alguma estar às escuras.


Depois, ficamos ali, paralisados, recolhidos em silêncio. Uns rezam, outros esperam um sinal do seu ente querido, e há sempre um competidor que espera ganhar o prémio da «campa do ano».

Apesar de pretendermos homenagear os que perdemos para a morte, somos, ao contrário de outras culturas, bastante contidos na alegria dos festejos. Para o nosso povo, é o que podemos chamar de uma comemoração de lágrimas. Lembramo-nos da pessoa, da sua vida, e tentamos com esforço acalmar a saudade. Tudo muito bem para as pessoas que optam por ser plantadas pela raiz, que ficam em gavetas minúsculas, em minipalacetes (com assoalhadas de fazer inveja) ou cujas cinzas jazem no jardim do cemitério. É como «viver» num condomínio fechado… E sobrelotado também, vá.

Para os que são cremados e têm fascínios esquisitos, como serem atirados em sítios especiais, fica mais difícil realizar este serviço. Tenham visão, peçam para serem entregues nas águas cálidas das Maldivas (possivelmente será a única oportunidade de lá irem, apesar de ser em pó) e a família vai com certeza agradecer a visita anual. Vão com esforço, coitados! 

Não podemos deixar passar algumas tradições tão nossas, como é o caso da «mesa posta para os defuntos».

Na zona de Barcelos, à meia-noite do dia 1 para o dia 2 de novembro, os habitantes preparam uma mesa destinada aos seus familiares falecidos. A variedade é pouca, mas esperamos que a quantidade compense. São disponibilizadas castanhas para que comam durante a noite. Por norma, o repasto fica exatamente onde foi deixado, mas não pode, ainda assim, ser aproveitado, pois dizem os antigos que pode conter «babada dos mortos». Se alguém quiser experimentar e depois relatar os efeitos, já sabem, contactem-nos, mas só em vida.

Na ilha Terceira (Açores), durante o peditório, são dadas às crianças as chamadas «caspiadas», bolos semelhantes ao topo de um crânio. É a forma que utilizam para homenagear os mortos, e quem come os bolinhos não deve focar-se muito na receita, já que tem um ingrediente secreto.

Em Bragança, grupos de rapazes unem-se para realizar a comemoração «O Pau das Almas». Têm como função recolher lenha para a vender aos interessados, sendo o dinheiro arrecadado utilizado para mandar rezar missas pelas almas do Purgatório. A Igreja agradece.


De referir que o Dia dos Finados foi instituído pelo Abade Odilo (ano de 998, abadia beneditina de Cluny, França) com o propósito de unificar as comemorações aos mortos, que é como quem diz: «lamentamos que se tenham finado, mas a vida continua, portanto fiquem aqui uns com os outros que nós voltamos cá uma vez por ano». É justo, porque limpar mobília que fica ao ar livre é o cabo dos trabalhos.


Posto isto, seja a que dia do ano estiverem, chorem as vossas perdas, façam o vosso luto, visitem os vossos mortos.