O que é um Death Cafe?
E o que é que isso tem que ver com terror? Muito.
«Há duas certezas que trouxe do meu primeiro Café de Morte: que não há duas opiniões iguais sobre a morte e que os brownies da Gleba são mesmo bons.»
A primeira vez que ouvi falar de um Death Cafe (Café de Morte, em português) foi quando me cruzei com a notícia do lançamento do livro Uma Mulher com Cancro, um Psicólogo e uma Virgem Entram num Death Café. Editado pela Quetzal, esta obra com título humorístico, mas sério, foi escrita por Lara Vaz Pato, diagnosticada com cancro do pulmão aos 31 anos. Não há, nesta história, plot twists: o cancro era terminal; a autora morreu em 2022, antes de ver o livro publicado. E digo-o desta forma fria e direta porque, em parte por causa do Death Cafe em que participei em maio, a morte é efetivamente a única certeza que temos na vida. E é quando nos confrontamos com esta inevitabilidade que as coisas ficam mais leves. Pelo menos, para mim.
Há duas certezas que trouxe do meu primeiro Café de Morte: que não há duas opiniões iguais sobre a morte e que os brownies da Gleba são mesmo bons.
Não sei se pelo avançar da idade, se por ter começado a perder pessoas que me são próximas, fui mudando a minha relação com a minha morte, e isso tem transbordado para a minha escrita de ficção: se as minhas histórias têm fantasmas, quase sempre estão entre nós, de uma forma muito orgânica, de vizinhança. É isto que o terror tem feito por mim e pelo meu medo do fim. Quando me cruzei uma segunda vez com a expressão Death Cafe, desta vez na programação da Cossoul, tomei isso como um sinal de que havia aqui qualquer coisa a explorar.
Fui sem preconceitos, sem pesquisa prévia, sem saber o que (e quem) ia encontrar ou o que ia acontecer. Tinha feito, por descargo de consciência, uma leitura muito diagonal da página oficial deste movimento mundial que começou em setembro de 2011. Sobre a organizadora, Ana Maria Valinho, sabia que tinha experiência como enfermeira de urgência e ajuda humanitária (que tem incluído Cuidados Paliativos e contato direto com a morte em todas as idades e diversas culturas) e que atualmente, está a iniciar-se como Doula da Morte.
Acho que cada participante deve ter a sua própria experiência (o próximo acontece, também na Cossoul, no dia 15 de junho, desta vez em inglês), mas quero tranquilizar-vos: a individualidade e a privacidade de cada pessoa são absolutamente respeitadas; ninguém tem de ficar até ao fim da sessão e ninguém é obrigado a falar ou a partilhar as suas histórias (e ninguém vos questiona e pede satisfações por isso). Sobretudo, não é uma sessão de terapia de grupo.
É dado espaço (e tempo) para cada um falar sobre a morte — a sua, a dos outros, o conceito geral, o lado religioso e espiritual, o que quiserem.
No meu grupo (o teu será, certamente, diferente), cada pessoa tinha a sua experiência (é natural) e cada uma dessas experiências foi acolhida pelos outros sem julgamento (o que penso, e espero, que aconteça em todas as sessões). Todos éramos diferentes, mas julgo que todos partilhávamos da mesma predisposição para falar sobre o tema. No final, quem quis ficar a conversar ficou; quem não quis foi à sua vida.
Pelo tal respeito à privacidade, não vou divulgar as histórias dos outros, nem o que fazia cada uma das pessoas que lá estavam, nem sequer a relação delas com a morte. Mas posso dizer-vos que houve gargalhadas e conversas descontraídas. Como será o próximo? Se fores, conta-nos como foi.
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Sandra Henriques
Autora de guias de viagens da Lonely Planet, estreou-se na ficção em 2021, ano em que ganhou o prémio europeu no concurso de microcontos da EACWP com «A Encarregada», uma história de terror contada em 100 palavras. Integrou as antologias Sangue Novo (2021), Sangue (2022) e Dead Letters: Episodes of Epistolary Horror (2023). Em setembro de 2023, contribuiu com o artigo «Autoras de Terror Português» para a Enciclopédia do Terror Português, editada pela Verbi Gratia. Em março de 2022, cofundou a Fábrica do Terror, onde desempenha a função de editora-chefe.