As Assombrações do Hospital Dona Estefânia (Lisboa)

Lugares de ciência e racionalidade, os hospitais, no geral, estão repletos de histórias que fogem das noções de concreto e objetivo, não fossem os mitos começar na boca das pessoas que as vivenciam.

Todos os hospitais têm histórias de fantasmas e de ruídos que se ouvem à noite, mas o Hospital D. Estefânia é, dentro deles, aquele que se destaca com justa causa.

Maria Varanda

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Em 1858, D. Pedro V veio a casar-se com uma princesa austríaca, D. Estefânia. Ao vir para Portugal e assumir o seu posto na monarquia, a Rainha D. Estefânia procedeu à visita pelo Hospital de Todos os Santos e ficou impressionada pelas condições deploráveis em que as crianças eram mantidas e tratadas, em enfermarias conjuntas com os adultos, com falta de privacidade e cuidados especializados. Ditou, por isso, que o seu dote de casamento deveria ser usado para a construção de um hospital dedicado apenas às crianças, mas, em 1859, viria a falecer vítima de difteria. D. Pedro, rei jovem viúvo e dedicado à falecida esposa, ordenou a construção do Hospital da Bemposta, mas viria a falecer dois anos depois de D. Estefânia, sem ver o desejo da esposa concluído.

Foi o Rei D. Luiz que, a 17 de julho de 1877, no aniversário do falecimento de D. Estefânia, inaugurou o hospital que o povo, mais tarde, viria a chamar Hospital D. Estefânia, em honra da rainha tão amada pelos portugueses. A construção cuidada do hospital e a dedicação da equipa de enfermeiras que se instalou no mesmo chegou até a ser alvo de elogios por Florence Nightingale, na sua obra Notes on Hospitals.


Estando envolto, nas suas origens, na trágica história de D. Pedro e D. Estefânia — aconselho uma breve leitura sobre o nobre casal —, dizer que se contam assombrações e milagres no seu espaço dedicado à saúde e à doença pode não ser, de todo, de estranhar.


Há relatos de sons vindos da cave e do sótão onde, na altura em que ocorriam as ditas assombrações, não existiriam serviços ou profissionais alocados. Histórias de aparições de figuras fantasmagóricas que surgem para captar a atenção dos profissionais também são conhecidas, como a história de uma enfermeira que, ao adormecer no turno da noite, foi acordada por uma figura não identificável de vestes longas que a conduz à porta de um quarto, onde uma criança está em sinais de dificuldade respiratória.

Dos meus tempos de estudante no Hospital D. Estefânia, posso confirmar que o ambiente na cave não é de todo o mais favorável à clareza de pensamento. O espaço é húmido, escuro e vazio, e a sala onde se encontram os cacifos dos estagiários tinha demasiados pontos onde a luz artificial não chegava a tocar. Se alguma coisa por lá residia, não chegou a incomodar-me ou a fazer-se notada, mas também nunca lá entrei à noite.

Ninguém das minhas fontes conhecidas no hospital quis falar ou procurar informação que me desse mais luz sobre o que se conta ter acontecido nos seus corredores. Nos dias que correm, nem se fala muito sobre essas antigas histórias, mas, em 2001, o Hospital D. Estefânia teve direito a um episódio na série Fenómeno da RTP (uma gema que recomendo aos nossos leitores).


Nesse episódio, fala-se sobre o aumento de aparições após a primeira Guerra Mundial, período no qual o Hospital D. Estefânia terá recebido utentes adultos. Diz-se que se via a figura da rainha nos corredores do hospital, talvez em lembrança de que aquele era um espaço para as crianças.


Não menos digno e louvável do que as boas intenções de uma rainha dedicada ao bom cuidar de crianças doentes, que até na morte lutaria pela preservação desses ideais, há que ter em conta o internamento de Jacinta Marto, canonizada em 2017. Elemento da tríade dos videntes de Fátima, conhecidos como os Três Pastorinhos, Jacinta foi internada em 1920, vítima de uma pleurisia purulenta, afeção que já levara ao falecimento de Francisco um ano antes e que adoecia as crianças desde 1918, dois anos após as aparições.
Internada no Hospital D. Estefânia, Jacinta foi submetida a um procedimento médico a «sangue-frio», devido ao facto de a sua fragilidade impedir a sedação e a anestesia. Ao invés de mostrar sinais de dor e lutar contra o procedimento, Jacinta terá apenas repetido o nome de Deus e de Nossa Senhora. Certa manhã, durante a sua infeliz e terminal estadia, Jacinta terá pedido à enfermeira responsável pelos seus cuidados que não trocasse a roupa da cama nem se sentasse na cadeira a seus pés: Nossa Senhora tinha-a visitado durante a noite e teria tocado nos lençóis, sentando-se nessa mesma cadeira.

Jacinta viria a falecer a 20 de fevereiro de 1920, sendo hoje possível encontrar um relicário dedicado a si na capela do hospital, onde vários devotos fazem as suas homenagens, incluindo várias famílias com crianças internadas no hospital — algumas contabilizando a melhoria dos seus mais pequenos nas obras de Nossa Senhora.

Pelo menos outra criança, muitos anos mais tarde, terá dito ter sido visitada por Nossa Senhora, que a auxiliou no fantástico e acelerado processo de recuperação que seguiu uma violenta queda de um sétimo andar.

Mais que bizarra é ainda a história de uma criança que surge — sem explicação, sinais de aviso ou pedidos de socorro — com feridas sugestivas de garras em ambas as pernas. A mãe, informada da situação estranha e sem justificação, diz que «esperava que acontecesse» e, tempos mais tarde, contra todas as probabilidades, retorna ao hospital com a filha curada.

Verdade ou apenas fantasia de mentes que não se restringem ao térreo e palpável, movidas pela necessidade de ver melhorias nos que padecem perto de si, o Hospital D. Estefânia está repleto de histórias. E quem conhece este espaço (o único hospital de Portugal a ser construído com o propósito inicial de servir os mais pequeninos) sabe que há nele qualquer coisa de muito especial — seja mística ou não.

Se tiver curiosidade, relembre o episódio três da série Fenómeno, à qual devo as informações recolhidas, dado que os meus contactos no hospital desconhecem (ou fingem desconhecer) o que se esconde no escuro da cave e noutros cantos deste belíssimo e histórico edifício.

Esperemos que não tenha de lá ir por motivos de doença, mas, se estiver nas redondezas, aproveite para apreciar a sua arquitetura clássica e a capela com o relicário de Jacinta. O jardim também é agradável, com recantos de sombra e uma fonte que remonta aos tempos de origem. Talvez até trave simpatias com algum profissional pelo caminho, que lhe conte o que já pouco se ousa pronunciar sobre as aparições do Hospital D. Estefânia.