Pedro Souto e João Monteiro sobre o MOTELX 2023

Ecoterror francês na abertura e no encerramento, e filmes portugueses dentro e fora de competição.

Falámos sobre a 17.ª edição com os diretores do festival, Pedro Souto e João Monteiro.

Sandra Henriques

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De 12 a 18 de setembro de 2023, o Cinema São Jorge volta a abrir as portas a todos os fãs de terror, meros curiosos ou iniciantes no género. Há 17 anos que o festival mostra o que de melhor se está a fazer no terror nacional, dentro e fora do cinema, e com isso podemos sempre contar. Entre curtas e microcurtas, há muitos novos filmes de terror português para descobrir. Este ano, com o Festival Guiões a acontecer em paralelo com o MOTELX, há cinco longas-metragens de terror que poderão, esperemos, vir a ver a luz do dia.

Os diretores do Festival internacional de Cinema de Terror de Lisboa, Pedro Souto e João Monteiro, partilharam com a Fábrica do Terror o que destacam da programação deste ano e as suas expectativas para a 17.ª edição. 

 

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Passou um mês desde a conferência de imprensa de apresentação do programa deste ano, e estamos a cerca de uma semana do festival. Além do que já foi anunciado, o que destacam nesta edição do MOTELX?

Pedro Souto: [Além do que destacámos na altura], posso focar já dois filmes: o de abertura e o de encerramento. Vamos abrir com o The Animal Kingdom, um filme francês de Thomas Cailley, um dos filmes que estiveram presentes em Cannes. E conjugamos, no encerramento, com outro filme francês, Acid, de Just Philippot. São ambos filmes que estão neste subgénero do ecoterror, que tem pontuado os últimos anos, mas que, com o desenvolvimento destas tragédias ambientais a que vamos assistindo, tem cada vez mais relevo, sendo cada vez mais interessante vê-los também. Estamos a assistir à destruição ou à transformação do planeta e penso que, no caso do MOTELX, é interessante, às vezes, juntar estes momentos de entretenimento. É o caso do Acid, que é um misto de filme-catástrofe com filme pré-apocalíptico, muito focado na sobrevivência de cada um, do egoísmo que aparece em momentos complicados e em momentos de sobrevivência. E temos sempre este caso de uma família, em ambos os filmes, a sofrer com essa conjuntura mais macro, além dos seus problemas familiares.

Acid, de Just Philippot

João Monteiro: Destacaria duas estreias mundiais da nossa competição europeia: o filme turco The Funeral e um outro francês chamado Hood Witch, a juntar obviamente à estreia europeia d’A Semente do Mal, do Gabriel Abrantes. Vamos ter também, como convidado, um nome grande do cinema, mas totalmente desconhecido em Portugal, o realizador indiano Anurag Kashyap, do qual exibimos um filme há uns anos chamado Psycho Raman. Este ano, vamos exibir o Kennedy, o último filme dele, que estreou também em Cannes. É novamente um épico ultraviolento passado no submundo do crime de Bombaim. Vamos ter os 100 anos d’Os Olhos da Alma, um filme português mudo. Esta sessão vai ter um cineconcerto da Surma. Outro destaque é um filme americano totalmente filmado em Portugal, do qual vamos fazer a estreia nacional, o Lovely, Dark, and Deep. É uma primeira realização e foi produzido pela Woodhead, do Josh Waller, que vive agora em Portugal. Foi rodado em Portugal, com equipa portuguesa, com alguns atores portugueses em papéis secundários, e o papel principal é da atriz [Georgina Campbell] de Barbarian. Finalmente, também queria falar de uma sessão de curtas [portuguesas] fora de competição, que nunca fizemos. Também porque nunca tivemos muitos filmes [para o fazer], e o fora de competição prende-se com a duração dos filmes, com mais de 15 minutos. Este ano, temos suficientes para montar uma sessão especial, que vai ter a estreia da curta mais recente do Guilherme Daniel e também um videoclipe do Legendary Tigerman com recurso à inteligência artificial, do Edgar Pêra.

A Semente do Mal

Os Olhos da Alma

Kennedy

Lovely, Dark, and Deep

PS: Aproveitava e dava ainda mais um destaque. A Coreia [do Sul] vai estar presente com três filmes: New Normal, The Childe e Project Wolf Hunting. E temos o regresso do cinema de Hong Kong, com os filmes Mad Fate, Detectives vs Sleuths e Yum Investigation. Não temos tido muita coisa de Hong Kong, porque parece ter havido um decréscimo na produção de cinema de género. Este ano, com estes três filmes, vai ser também interessante perceber se ainda há aquele culto dos filmes de Hong Kong, se pode ressurgir.

New Normal

The Childe

Project Wolf Hunting

Mad Fate

Nas retrospetivas, além do Exorcista, The Witch e dos filmes do Brandon Cronenberg, há mais novidades?

PS: Vamos acrescentar uma curta do Brandon Cronenberg, Please Speak Continuously and Describe Your Experiences as They Come to You. Vamos ainda ter uma sessão especial do Orfanato [de J. A. Bayona], em colaboração com o European Film Club. Vamos ter ainda outra sessão muito especial, para comemorar os 60 anos do Pássaros, do Hitchcock, que vai ser exibido ao ar livre no Campo das Cebolas. É também um filme que tem um certo prelúdio do ecoterror.

Os Pássaros

A seleção das curtas portuguesas para competição é sempre muito heterogénea. Foi difícil fazer esta seleção? Porque este ano há temas muito diferentes e técnicas muito diferentes também.

JM: É mais difícil para quem vai ajuizar e tem de chegar à conclusão de qual é o melhor filme. Para nós, não é assim tão difícil, porque podemos jogar com isso que estás a dizer, um conjunto de filmes bastante distintos e variados. Este ano, temos menos repetentes, digamos assim, e a hipótese de estrear novos realizadores nesta competição. O que surpreende é que continuamos a receber o mesmo número de filmes todos os anos. E são sempre de pessoas diferentes. É uma fonte que, felizmente, não estamos com medo que se esgote.

Na competição das microcurtas, parece-me haver mais filmes este ano.

PS: Sim, foram mais. Penso que o estímulo do prémio monetário é importante. Ficamos contentes com isso, e sentimos que há um grande potencial e também um grande experimentalismo neste tipo de filme. Como o João disse, ainda fico surpreendido por continuarmos a receber tantas curtas, porque é um género específico, estamos em Portugal, um país pequeno, etc. Mas, todos os anos, continuamos a receber muitas curtas, e este ano só temos um repetente em competição para o prémio [da melhor curta portuguesa]. As microcurtas dão-nos um extra de criatividade e também, em muitos casos, uma faixa etária mais baixa, pessoal mais jovem, incluindo alguns projetos em parceria com os pais. Com o prémio monetário, conseguimos também ter projetos um pouco mais estruturados, se calhar já com uma produtora, o que proporciona uma mistura explosiva e nos dá alguma esperança num futuro cada vez melhor para o terror. Aconselho vivamente a assistirem à sessão de microcurtas.

É a primeira vez que o Festival Guiões está a ser dedicado só ao terror e a acontecer em paralelo com o MOTELX. Há 5 finalistas e são filmes muito diferentes. Podem revelar quantas submissões é que houve?

JM: Para o primeiro ano, recebemos 50 submissões, o que não é nada mau. Estamos a falar de guiões mais complexos [por serem longas] e fiquei bastante surpreendido com a quantidade de escritores que têm imaginação para o terror. A maior parte deles vai quase sempre dar ao nosso folclore e tradição. Selecionar só cinco foi mais complicado do que selecionar os filmes para a competição de curtas. Tivemos de fazer uma seleção que se relacionasse mais com os géneros e dar cinco exemplos muito diferentes de criatividade dentro desta área. Acabou por ser esse o nosso critério para ajudar a fechar estes cinco. Estes finalistas já são, de alguma maneira, vencedores, porque vão poder apresentar o filme perante uma plateia de pessoas da indústria. A nossa esperança é que este seja um passo para que os filmes possam ser desenvolvidos. E gostava também de salientar uma apresentação que vai haver no fim de semana, de um coletivo artístico/estúdio alemão, Liquid Sky, do Ingmar Koch. Ele está a apostar na tecnologia IA para fazer curtas-metragens, videoclipes. Montaram um estúdio no Alentejo e vêm ao MOTELX apresentar o projeto. Pode ser interessante, também, no sentido de dar novas saídas, novas possibilidades de produção, de execução.

A inteligência artificial é uma ferramenta de trabalho ou uma ameaça aos artistas? Pode ser uma discussão interessante a surgir.

PS: Estando num festival de cinema de terror, acho que é um sítio perfeito para levantar todas essas hipóteses, quase apocalípticas. E aproveitar as capacidades e as portas que se vão abrir a nível criativo com essas ferramentas. O Liquid Sky é um bom primeiro exemplo a juntar ao videoclipe do Legendary Tigerman, realizado pelo Edgar Pêra. Portanto, temos já um autor português a experimentar essas ferramentas e que exemplifica bem o que se pode ou não fazer. Mas há uma coisa que é muito clara: muitas ferramentas ou muito software de IA vão também democratizar o acesso a certo tipo de resultados que não existiam e aos quais a maioria das pessoas não conseguia chegar, por estarem cingidas a um grupo que se especializou ou que conseguiu angariar financiamento para isso. São os prós e contras.

Para terminarmos, quais são as vossas expectativas para esta edição do MOTELX?

JM: Que o público adira, principalmente. Houve anos em que andámos a puxar pelo cinema português, mas acho que é uma coisa que já não faz sentido porque, felizmente, acabou por se tornar algo natural dentro da programação. O festival é a grande mostra do terror português, do que se faz em termos nacionais, e não só dentro do cinema.

PS: Se as pessoas conseguirem ver mais do que um filme, acho que  torna ainda mais enriquecedora a experiência do festival, porque temos esse objetivo de uma grande variedade  de propostas em cada filme: na história, no tipo de abordagem, na realização e nos países. E é muito interessante quando se consegue ir a mais do que um filme e fazer essas ligações entre as mensagens de cada um.